quarta-feira, 5 de novembro de 2025

Cartas de Amor XCVI



Querida, hoje envio-lhe uma prosa em sentido de carta

Acho que faltava esta prosa, este jeito diferente de lapidar os sentimentos.

O fato deu-se quando me peguei chorando — vai lá saber o que foi aquilo.
Então é assim quando dói lá dentro?

Veio aquela enxurrada de lembranças há muito guardadas, todas em alta tensão,
em crescente fluxo e sem nenhum mecanismo para frear o inevitável do pranto.

Para que esta memória? Para que este amor?
Por que tudo isso junto e sincronizado, justo agora, quando o tempo já me leva para longe?

Deu vontade de realizar um triplo carpado com três mortais ali mesmo — correr,
sei lá o que fazer. Abraçar? Pedir perdão? Olhar nos... olhos?

De repente, passou a eternidade.
Passaram os dias, esmaeceram as tardes,
e perdi o momento de dizer o que nunca foi dito.

Ficou esta dor agonizante,
este silêncio abrupto,
esta ausência astronômica entre nós.

Querida, eu não sei não amar você.

É isto aí!

Lo Borges - Sem retrato, posto que é imortal

 

Lo Borges,

Difícil escrever esta carta para você. Não lembro bem como foi a primeira vez que parei para escutar sua voz mineira, num tom  suave e sossegado. Era lá no inicio da década de 1970, em tempos difíceis, de pouca e rara beleza, mas com muita vontade de mudar. 

Sempre o considerei o John Lennon do Clube da Esquina, e acredito que além disto, até para todo o sempre, a sua versatilidade como cantor e compositor, com uma voz que se integrou perfeitamente ao estilo musical inovador do Clube da Esquina, numa mescla da MPB com rock, jazz e ritmos folclóricos, será sempre coisa e propriedade do registro da sua humanidade marcante, com louvor pela sua existência neste belo e imperfeito planeta azul . 

Para você ofereço abaixo, este poema lindo da Cora Coralina, que ele conforte sua nova paisagem da janela lateral de onde se abriga no Paraíso. 

Meu epitáfio (Cora Coralina)

Morto... serei árvore,
serei tronco, 
serei fronde
e minhas raízes
enlaçadas às pedras de meu berço
são as cordas que brotam de uma lira.

Enfeitei de folhas verdes
a pedra de meu túmulo
num simbolismo
de vida vegetal.

Não morre aquele
que deixou na terra
a melodia de seu cântico
na música de seus versos.

Fica a saudade, simples como sua vida, sem retratos, sem autógrafos, sem nada, posto que agora é imortal. 

Um abraço!

É isto aí!



segunda-feira, 3 de novembro de 2025

Conexões


Estou assustado
já sou novembro,
e vago sonolento.

Outras pessoas
já são dezembro,
fechando o ano.

E a maioria, lenta,
mente e sobrevive
detrás do outubro.


É isto aí!

sábado, 1 de novembro de 2025

Meu bem, perdoa meu coração hedonista

 

Saibam, meus amigos, que um pedido de perdão à mulher amada é quase sempre uma tentativa de justificar o injustificável.
Guardem consigo o que a vida me ensinou às duras penas:
às vezes, o amor pede razão. Outras, pede um bom álibi.

Dito isto, vou contar como ela foi embora — assim, do nada, nadinha.

Mentira, querida!
Contei uma única mentira — não me olhe assim — tudo bem, duas mentiras, mas uma foi mentirinha.

Para de olhar desse jeito!
Sim, eu sei: mentira não tem tamanho, não tem densidade, não tem caráter.
Mas a impressão que tenho é que estou numa operação de guerra, sob forte pressão do seu olhar.

Estou consciente de que menti.
Sim, já o fiz antes — e jurei nunca mais fazê-lo.
Mas, naqueles tempos, eram mentiras grandes, acobertando fatos estoicos.

Como assim, você não concorda?
Mais uma vez serei condenado por pecados passados,
trânsitos em julgados?

Saiba, minha amada, que aquelas mentiras aparentemente graves
se ancoravam no estoicismo — e eu, inocente,
apenas buscava alcançar a serenidade pela razão,
aceitando o que não se pode controlar.

Nessas versões que você insiste em chamar de mentiras,
havia apenas uma atitude impassível e austera
diante das adversidades que a vida nos reserva.

Perdoa, vai — eu sei que errei,
mas errei por um motivo maior: a nossa felicidade.

Espere... volte aqui...
Eu te amo...
Volta!!!

Tudo bem — eu, mais uma vez, perdoo você.
Vá, pode ir —
e, quando se arrepender, volte, meu amor.

Naqueles dias, nossos abraços alcançarão
nossa mútua existência
como nunca antes fizeram.

É isto aí!