domingo, 9 de maio de 2021

Sala da Quarentena.




Morri dia destes e ainda nem cheguei a me dar conta disto imediatamente. Deu que encontrei com o Tobias, puxa vida, o Tobias faleceu, deixa eu ver, hummm, há quase cinquenta anos. Não mudou nada. Na hora fiquei na dúvida se estava sendo um vidente de almas ou se eu era uma alma destas perdidas entre umbrais, até que eu vi aquela moça, meu deusdasmemóriasprontas, valei-me meu santo memorial, qual o nome dela? Engraçado, esqueci o nome dela, foi uma paixãozinha rápida, mas ela partiu mais ou menos na mesma época que o Tobias. Continua linda.

Comecei a observar o ambiente onde me encontrava. Vai que era a porta do paraíso? Vi dois anjos passando do outro lado da larga avenida, e engraçado, eles não tinhas asas, mas seu sabia que eram anjos. A avenida era de blocos de pedras polidas, tendendo ao formato retangular, já gastas pelos, hummm, milênios terrestres. Fiquei ali refletindo - um paraíso só para os humanos, de dimensões infinitas, com bilhões e bilhões de moradas. Meudeusinhodowifi ... tem sinal para todo mundo?

Atravessei a avenida fora da faixa de pedestres, afinal o que pode acontecer a um morto? Pensei e logo um agente de segurança ostensiva das avenidas celestiais levitou-me com um gesto e colocou suavemente meu corpo etéreo na faixa. Achei interessante, nada invasivo, nada abrupto, enfim, se as regras existem, devem ter uma serventia, afinal até Moisés teve que descer com as dez regras por duas vezes, então vou prestar mais atenção.

Na imensa calçada tinham umas barraquinhas e quiosques de diversos gostos alimentares. Estranhamente milhares de pessoas perdiam um precioso tempo naquele ambiente. Vi pessoas ali que despedi-me delas a 40, anos, e ficavam ali bebendo, comendo e fumando. Ouvi línguas das mais diversas diferenças, mas engraçado, ouvia em grego, por exemplo, e sabia que era grego, mas entendia tudo no meu simpático e monoglota português. Não vi acesso a banheiros, mas tinha cerveja em lata gratuitamente distribuídas por mocinhas elegantes. 

Dezenas de guichets traziam no alto uma placa com a palavra "Informação", em todas as línguas do mundo. E ao mesmo tempo uma voz suave, feminina falava ao meu ouvido - por favor, dirija-se ao guichet 118, da língua portuguesa, que era o tal com a placa da Informação.

A fila para pegar a senha de atendimento era rápida e a fila para o atendimento, surpreendentemente, também rápida. Depois que você recebe a ficha da senha, entra por um portão estreito, passa por um beco que vai se abrindo de forma cônica até chegar num imenso pátio, onde em meio círculo haviam 345 guichets. Uau, tudo muito organizado. A voz interior mandou que comparecesse ao guichet 141.

Um senhor com cara de poucos amigos pediu minha mão esquerda, colocou num aparelho digitalizador, conferiu na lista se eu era a pessoa que conferia com a mão, fez sinal para seguir por um corredor bem iluminado até chegar numa sala com som ambiente, sofás lounge e tudo em estilo art nouveau. Uma anjinha lindinha gostosinha cheirosinha se aproximou e me deu uma veste celestial, apontou-me um vestiário, fui, troquei de roupa, fiquei sem saber se mantinha ou não a cueca, mas resolvi tirar, afinal nunca gostei disto mesmo.

Na hora que abri a cortina esperando ver a anjinha novamente, recebi uma máscara N95 e fui conduzido por dois oficiais da guarda celestial até um salão imenso e espartano, com um telão passando "A Lagoa Azul" e um enorme cartaz escrito - Sala da Quarentena. 

Aí dei a bronca, aos gritos mandei chamar a gerencia, xinguei, briguei, pedi para falar com a diretoria, dei o nome de uma santa conhecida, como referência pessoal, esperneei, empurrei e saí correndo correndo correndo .. e foi assim que deu um clarão e me devolveram a este planetinha nativo, ainda a tempo de assistir à
semifinal da Champions League. 

Enquanto as pessoas gritavam de alegria nas arquibancadas, eu em casa, sozinho no sofá, fiquei puto prá caramba ... Sala de Quarentena ..onde vai parar isto? Veja só você ... sala de quarentena ... é ruim, hem!!!

É isto aí!



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