Declamada por Pedro Lamares:
Ser digna na partida,
na despedida,
dizer adeus com jeito,
não chorar para não enfraquecer o emigrante,
mesmo que o emigrante seja o nosso irmão mais novo,
dobrar-lhe as camisas,
limpar-lhe as sapatilhas
com um pano úmido,
ajudá-lo a pesar a mala
que não pode levar mais de vinte quilos
(quanto pesará o coração dele? e o meu?),
três pares de sapatos,
um jogo de lençóis,
o corta-vento,
oferecer-lhe a medalha
que a Mãe usava
sempre que partia
e que talvez não tenha usado
quando partiu para sempre,
ter passado o dia
à procura da medalha
pela casa toda
(ninguém sai mais daqui sem a medalha, ninguém sai mais daqui),
pensar que a data escolhida
para partir é a da morte da Mãe,
pensar que a Mãe
não está comigo
para lhe dobrar as camisas
e mesmo assim não chorar,
nunca chorar,
mesmo que o Pai esteja a chorar,
mesmo que estejam todos a chorar,
tomar umas merdas,
se for preciso:
uns calmantes, uns relaxantes,
uns antioxidantes para não chorar;
andar a pé para não chorar,
apanhar sol para não chorar,
jantar fora para não chorar,
conhecer gente,
mas gente animada,
pintar o cabelo
e esconder as brancas,
que os grisalhos são mais chorões,
dizer graças para não pôr também
os amigos a chorar,
os amigos gostam é de nós a rir,
ver séries cômicas até cair,
acordar mais cedo
para lhe fazer torradas antes da viagem,
com manteiga,
com doce de mirtilo,
com tudo o que houver no frigorífico,
e não pensar
que nunca mais
seremos pequenos outra vez,
cheios de Mãe e de Pai no quarto ao lado,
cheios de emprego no quarto ao lado
quando ainda existia Portugal.
É tanto o que se pede a um ser humano do século vinte e um.
Que morra de medo e de saudade no aeroporto Francisco Sá Carneiro.
Mas que não chore.
Minas Gerais, 09 de julho de 2017
ResponderExcluirCaríssimo Chefe de Estado do Reino da Pitangueira (poderia ter ido ao G-20, inclusive, certamente faria melhor figura que uns aí...)
Ouvi dizer que em terras Tupiniquins tudo está um caos, mas há lugares muito bons de descanso e sonho, sempre é possível encontrá-los. Este Reino é um deles. Que maravilha ter podido vir hoje com calma.
Há tanta beleza aqui que nem sabia por onde começar. Então escolhi este poema comovente, porque fala de despedidas, de choro duramente evitado, medalhas de família, camisas dobradas e aeroporto. É lindo, lindo. Acompanhei cada cena como se estivesse ao lado da mulher sensível.
Os outros três poemas também são deslumbrantes. Muito bom despedir-me do final de semana por aqui.
Ótima semana e muita coragem para nós, porque o Maia...o Maia...francamente...
Abraços,
Amanda Machado
Minas Gerais, 09 de Julho de 2017
ExcluirAmanda Machado
A poesia encanta quando toca a alma, quando pronuncia palavras presas dentro da gente. Eu não sou poeta, mas eu gosto de sentir a poesia, as palavras se encaixando feito um quebra-cabeça de dez mil peças.
Como ficar apolítico, como me exilar da podridão de pessoas nefastas ao país, principalmente aos mais frágeis, aos mais carentes, aos que não têm um cobertor para cobrir a sua dor.
Eu não odeio estes canalhas, mas sei que o que plantaram colherão, aqui, lá ou acolá. Pessoas morreram sem comida, adoeceram sem trabalho, enlouqueceram pela miséria. Não haverá paz enquanto não houver Justiça Social.
Um abraço
Paulo