Vamos entrar, senhor Arlindo. Há mais conforto e privacidade lá dentro do que aqui fora.
Antes de prosear com o senhor, tenho uma pergunta - o senhor é médico?
Não. Sou Analista Comportamental, graduado pela Universidade do Reino da Pitangueira, bem como feito tanto o Lato Senso como o Stricto Senso de forma completa, com direito a louvor das bancas, na mesma instituição.
O senhor é professor ou doutor?
Sou professor da área Comportamental bem como doutor na área de atuação, pelo Stricto Senso.
Hum, entendo. O senhor dá aquelas receitinhas mágicas?
Não. Claro que não. Isto é função médica.
Então o senhor confirma que não é médico?
Sim, claro.
Sim? Claro? Confirma ou não a formação médica?
Eu não sou médico, senhor.
Entendi. É um médico meia-boca, então.
Percebo que o senhor tem obsessão pelo ato médico.
Que isto, doutor, está me estranhando? Tenho nada disto não.
Quer falar sobre isto?
Sobre?
Achar que estou estranhando o senhor. Quem mais o estranha?
Minha mãe me acha estranho, meu pai às vezes e até eu me percebo estranho de vez em quando, sabe? Mas, espera, o senhor está me consultando? Já está me analisando? O senhor é médico?.
Sim, já o estou analisando. E não, não sou médico.
Sabe, entendi. O senhor fica aí só anotando umas coisinhas, escutando os assuntos dos outros e no fim fala para voltar na próxima semana.
É esta a percepção que o senhor tem de mim?
Sim e não, na realidade eu achava que o senhor é médico. O senhor é médico?
Volte semana que vem, senhor Arlindo, no mesmo horário.
Mas, doutor, meu caso é grave?
Bem, precisamos montar aos poucos o quebra cabeça dos seus conflitos, afinal hoje foi apenas um primeiro encontro, mas surgiu o ser estranho, e este é um caminho que poderá levar a algumas possibilidades.
Algumas possibilidades? Tenho cura, doutor? O senhor sabe se terei alta? Vou poder fazer coisas estranhas sem os outros perceberem que sou estranho?
Senhor Arlindo, calma. Não há aqui nenhuma condição de chegarmos a um termo comum para seu sofrimento, mas saiba que para Freud, o pai da psicanálise, o estranho nada mais é o que, por ter sido rejeitado pelo eu, retorna para causar espanto e horror. E justamente por isto, tem que ser, mais uma vez, negado sob a forma de denegação.
Seu, seu .. seu monstro insensível. Vou voltar para os remedinhos azuis, vermelhos e amarelos. Detesto comprimidinhos brancos, sabe? São viciantes e inibidores do apetite sexual. Adeus, doutor, mas, aqui,. o senhor é médico?
Senhor Arlindo, aguardarei o senhor para daqui a sete dias, no mesmo horário.
Posso trazer minha mãe?
É isto aí!
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