quinta-feira, 29 de junho de 2023

O Analista da Pitangueira e o cliente estranho


O senhor é Arlindo Pedreira Tombado?

Eu acho que sim, talvez. Depende muito das situações de conflito.

Vamos entrar, senhor Arlindo. Há mais conforto e privacidade lá dentro do que aqui fora.

Antes de prosear com o senhor, tenho uma pergunta - o senhor é médico?

Não. Sou Analista Comportamental, graduado pela Universidade do Reino da Pitangueira, bem como feito tanto o Lato Senso como o Stricto Senso de forma completa, com direito a louvor das bancas, na mesma instituição.

O senhor é professor ou doutor?

Sou professor da área Comportamental bem como doutor na área de atuação, pelo Stricto Senso.

Hum, entendo. O senhor dá aquelas receitinhas mágicas?

Não. Claro que não. Isto é função médica.

Então o senhor confirma que não é médico?

Sim, claro.

Sim? Claro? Confirma ou não a formação médica?

Eu não sou médico, senhor.

Entendi. É um médico meia-boca, então.

Percebo que o senhor tem obsessão pelo ato médico.

Que isto, doutor, está me estranhando? Tenho nada disto não.

Quer falar sobre isto?

Sobre?

Achar que estou  estranhando o senhor. Quem mais o estranha?

Minha mãe me acha estranho, meu pai às vezes e até eu me percebo estranho de vez em quando, sabe? Mas, espera, o senhor está me consultando? Já está me analisando? O senhor é médico?.

Sim, já o estou analisando. E não, não sou médico. 

Sabe, entendi. O senhor fica aí só anotando umas coisinhas, escutando os assuntos dos outros e no fim fala para voltar na próxima semana.

É esta a percepção que o senhor tem de mim?

Sim e não, na realidade eu achava que o senhor é médico. O senhor é médico?

Volte semana que vem, senhor Arlindo, no mesmo horário.

Mas, doutor, meu caso é grave?

Bem, precisamos montar aos poucos o quebra cabeça dos seus conflitos, afinal hoje foi apenas um primeiro encontro, mas surgiu o ser estranho, e este é um caminho que poderá levar a algumas possibilidades.

Algumas possibilidades? Tenho cura, doutor? O senhor sabe se terei alta? Vou poder fazer coisas estranhas sem os outros perceberem que sou estranho?

Senhor Arlindo, calma. Não há aqui nenhuma condição de chegarmos a um termo comum para seu sofrimento, mas saiba que para Freud, o pai da psicanálise, o estranho nada mais é o que, por ter sido rejeitado pelo eu, retorna para causar espanto e horror. E justamente por isto, tem que ser, mais uma vez, negado sob a forma de denegação.

Seu, seu .. seu monstro insensível. Vou voltar para os remedinhos azuis, vermelhos e amarelos. Detesto comprimidinhos brancos, sabe? São viciantes e inibidores do apetite sexual. Adeus, doutor, mas, aqui,. o senhor é médico?

Senhor Arlindo, aguardarei o senhor para daqui a sete dias, no mesmo horário.

Posso trazer minha mãe?

É isto aí!



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