quinta-feira, 24 de outubro de 2024

Isso é amor, e desse amor se morre!


(Juiz) Senhoras e senhores, membros do Júri deste Tribunal da Consciência, hoje julgaremos o réu, aqui presente, pela acusação de ter decidido romper com seu amor eterno, buscando eliminar a saudade, a angústia de quem ama, a tristeza, a melancolia e o complexo elo com a outra parte, que segundo consta dos autos, guardou consigo toda a candura deste amor.  

Feito o introito, passo a palavra ao Promotor de Justiças Passionais:

(Promotor) Meritíssimo Juiz da Consciência, Inconsciência e afins, a Promotoria trabalha na tênue linha de que "se se morre de amor não se morre, quando é fascinação que nos surpreende" como ponderou Gonçalves Dias em legítima e explícita conjugação do verbo amar.

Concluindo este introito, ainda navegando nos ares passionais de Gonçalves Dias, assim o disse na sua autoridade poética aqui citada de forma plana, sem redondilhas, pois não se trata de um sarau:

Sentir, sem que se veja, a quem se adora; Compreender, sem lhe ouvir, seus pensamentos; Segui-la, sem poder fitar seus olhos; Amá-la, sem ousar dizer que amamos; E, temendo roçar os seus vestidos, Arder por afogá-la em mil abraços: Isso é amor, e desse amor se morre!

(Juiz) Com a palavra o nobre advogado dativo da defesa;

(Defesa) Meritíssimo, "Para sempre" é um tempo que não existe. Aqui ouso citar o gênio da sétima arte, o grande Charles Chaplin, a quem esta frase é atribuída, apesar de controvérsias poucas, mas há. Bem, a intenção aqui é explorar a linha de raciocínio do réu, e segundo Chaplin: "Nada é para sempre neste mundo, nem mesmo os nossos problemas" .

(Promotor) Protesto, Meritíssimo. Não temos provas suficientes para garantir de que Chaplin disse isto. E se o disse, não foi, com certeza, em português.

(Juiz) Negado. Prossiga a Defesa.

(Defesa) Senhores e senhoras membros do Júri, o "Para sempre" é de tal de maneira imaterial e desalinhado com a vida, que desindentifica o amor com a real e/ou (que  se danem as redundâncias, já que não bastam a abundância de ausências) suposta saudade carregada cada vez mais dentro de si mesmo com suplício. 

Da mesma forma, deparamos nos autos com estas duas palavras simples, que de uma maneira univitelina, quando juntas, transformam-se num ato de penitência: Falo da sentença social do  "Nunca mais".

O "Nunca mais" surge nas intempéries da dor como um ato indefectível, que não falha, insidiosamente incontestável e infalível. Todos aqui sabem que quando e enquanto se ama alguém, não há o que se pode destruir. Cremos piamente, de forma intuitiva,  que pela natureza elementar e natural das coisas, o amor sempre existirá; será eterno, imutável, indestrutível, imperecível. 

(Promotor) Protesto, está generalizando os sentimentos

(Juiz) Negado. Prossiga.

(Defesa) Pergunto à consciência de cada um neste tribunal, aos membros do Júri e ao Meritíssimo Juiz

- Senhores, quem suporta uma dor assim tão intensa? É possível, no centro de um furacão de sentimentos dolorosos, focar em pensamentos positivos e atos altruístas que teriam a responsabilidade de criar uma nova realidade sem vínculos ou sequer vestígios com a atual?
  
- Senhoras, quem nunca pensou em se entregar à paixões extemporâneas, buscando uma rota de fuga sem eixo de gravidade, sem chão, sem mobilidade tangencial para fugir deste tempo de angústia profunda?

- Quão dolorosa e' a via aos que permitem entregar-se de corpo e alma às repreensões fúteis ou inúteis da sociedade, sufocadas por choros secretos e rotinas maçantes?

(Juiz) Conclua, por favor

Prezados membros do Júri, Meritíssimo, não condenem este homem duplamente pelo mesmo ato. Ele já foi julgado e condenado pela sua experiência pessoal. Deixem-no ir, pois a ausência já o condenou a ser infeliz neste continuum  de dor.

(Juiz) Culpado. Condenado ao ad aeternum da angústia dos que amam. 

É isto aí!

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