terça-feira, 8 de março de 2016

A castidade com que abria as coxas

gettyimages*
Sentado em cômoda postura numa cadeira na calçada de frente ao alpendre, o velho suspirou profundamente e pensou em voz alta na solidão do seu espaço - Todo dia espero pela morte e ela não vem. Enquanto isto filosofo à margem da vida.

A vida passava pacificada, cheia de graça e pedras, como a vida , filosofava entre memórias antigas e esquecimentos recentes.

Nisto passa a vizinha, uma moça sem nome, nascida e criada na casa ao lado. Ela sempre soube que olhava suas pernas e por querer, provocava seus olhos de desejo.

Colocando suavemente a mão sedosa sobre suas mãos enrugadas, sussurra - Seu Juca, declama mais uma poesia para mim, estou me sentindo tão carente hoje, e aproveitou, entre beicinhos e movimentos lentos, para dar um afago na cabeleira branca do ancião.

Ele levantou os olhos, com a voz e mãos trêmulas a querer tocar-lhe o corpo, declamou de uma tirada empolgante um poema do Drummond guardado nalguma parte da memória para aquele momento:

A castidade com que abria as coxas 
e reluzia a sua flora brava. 

Na mansuetude das ovelhas mochas, 
e tão estrita, como se alargava. 

Ah, coito, coito, morte de tão vida, 
sepultura na grama, sem dizeres. 
Em minha ardente substância esvaída, 
eu não era ninguém e era mil seres 

em mim ressuscitados. Era Adão, 
primeiro gesto nu ante a primeira 
negritude de corpo feminino. 

Roupa e tempo jaziam pelo chão. 
E nem restava mais o mundo, à beira 
dessa moita orvalhada, nem destino. 

(Carlos Drummond de Andrade, em 'O Amor Natural') 

Nossa, seu Juca, é lindo, não entendi muito as palavras difíceis, mas deve ser coisa divina, não é? Falar de Adão,  orvalho, muito lindo, seu Juca, muito lindo, enquanto acariciava o rosto dele e ele as coxas dela.

É isto aí!

Fotografia:
*Old man is looking at a young woman in tight shorts walking by- 1960-
Photographer: Jochen Blume- Vintage property of ullstein bild

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