Zé Bolacha era jardineiro de grã-fino e nos finais de semana vendia picolé na praça. Um dia acordou achando que ser ladrão devia ser bom, pois amigos da comunidade conseguiram algum sucesso no mundo consumista ao adquirirem coisas que não pagaria jamais.
É bem verdade que praticamente todos tornaram-se hóspedes de instituições governamentais com direito a quarto, cama, banheiro, duas refeições e dois lanches por dia, além de outras vantagens. Até esta situação propiciava um avanço social, da tapera sem guarida ao concreto com segurança, digamos assim.
Passou numa loja e adquiriu máscara ninja e luvas e seguiu para cuidar do jardim de um pessoal da ala dos bacanas. Ficou o dia todo cuidando das rosas, dos lírios, das hortênsias, podou a grama, revirou o esterco novo, aguou as plantas da estufa e na hora de sair, escondeu-se na despensa, onde acabou dormindo.
Acordou assustadíssimo e custou a se situar. Antes de praticar o furto, a fome roncou no estalo e nem percebeu a chegada de alguém. Flagrado pela dona da casa na cozinha jantando a lagosta que seria do marido, não teve outro recurso a não ser o silêncio. Olhou meio que sem graça para a madame, que tinha ar de diva misturado com luxo, trajando um elegante robe de mangas compridas sobre uma impecável camisola de seda pura com aplicações de renda, toda em tons claros, sexy, com decote generoso, fendas sensuais e transparência elegante.
- Aceita um vinho? Perguntou delicadamente ao assustado intruso.
- Sim, claro, mas posso saber qual a senhora tem?
- Interessante isto, achei que ladrão aceitaria qualquer coisa.
- Sim, aceito tudo, mas vinho é uma coisa muito pessoal, e sua lagosta está divina. Em função disto, vale a pena enfatizar que neste caso prefiro um branco seco.
- Humm, posso saber a razão desta escolha?
- Bem, os frutos do mar e o vinho tinto não se dão bem. O principal responsável pelo desentendimento é o iodo. Peixes e, principalmente, frutos do mar são ricos em iodo e esse elemento, em contato com os taninos do vinho tinto, causa uma sensação de sabor metalizado na boca que considero ser bastante desagradável.
- Interessante, nesta caso posso sugerir um Côte de Beaune?
- Se não se importa, prefiro um mais encorpado, como um Châteauneuf-du-Pape branco, visto que esta lagosta, apesar de deliciosa, está bem simples, acompanhada só de uma salada.
- Uau, sabia que você está me encantando. Posso colocar uma música para dançarmos?
- Olha aqui dona Irene, eu não sei dançar.
- Espera, como sabe meu nome? Esta voz, já sei, você é o jardineiro. Ai, eu me rendo, pode fazer o que quiser comigo. Eu não tenho como resistir aos seus músculos, à sua virilidade, meu deusdocéu, serei violentada dentro de casa, eu nunca imaginei que um dia isto iria acontecer, aimeudeus, aimeudeus ...
- Calma, dona Irene, calma. Posso fazer qualquer coisa mesmo?
- Sim, mas seja rápido, pois sei que isto me fará sofrer profundamente e me custará horas de análise.
- Bem, neste caso, sabe, é que minha mulher nunca viu lagosta na vida dela. Será que eu posso levar este prato num marmitex para comer em casa?
- Tudo bem, eu até vou permitir isto, mas tem uma condição - primeiro você vai ter que comer a que já começou tec tec tec ...
É isto aí!
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