domingo, 3 de abril de 2016

Como ser triste em dois atos.

Chegou em casa madrugada quase esmaecida e encontrou-a nua nos braços do ex-marido. Fingiu que não viu e voltou como entrou, em silêncio e ansiedade. Voltou para a casa da mãe, que o esperava todas as manhãs, com o café feito, o pão que mais gostava, a manteiga da roça e aquela ar de "Não te disse?".

A mãe o recebeu com naturalidade, levou-o à copa, serviu o desjejum, colocou o jornal por sobre a mesa, buscou seu chinelo, colocou ao seu lado e deixou-o só, dizendo que deveria ir em algum lugar conversar com alguém.

Entrou no seu quarto, da mesma forma de quando saira há oito anos. As suas fotos, a cama grande e macia, e dormiu o sono dos injustos que têm mãe. Acordou já entardecendo, tomou um banho demorado, barbeou-se, e só aí se deu conta de que dezenas de processos, clientes, funcionários, e mais um tanto de responsabilidades laborais ficaram ao léu. Mas estava se sentindo bem, e isto era estranho.

Chamou pela mãe e um silêncio imperou no ambiente. Saiu enrolado na toalha em direção à cozinha para alimentar-se e deu de cara com Cleidinha, a primeira e interminável paixão da sua vida, mal resolvida, mal começada, mal vivida e mal terminada. Nem linda nem feia, nem gorda nem magra, nem envelhecida nem jovem - Cleidinha ainda era uma grande incógnita.

Ela se aproximou lentamente, metamorfosicamente (como diria Bolão, um amigo), abraçou-o e na sua cabeça passou um filme. Deixou-se levar pelo desejo e entrou na profunda e obscura relação com a moça. Nunca foi feliz ao seu lado e sempre achava que se tivesse encarado a situação com o flagrante da ex, seria mais honesto com seu sentimento. Passaram-se anos e aí morreu triste, abraçado em Cleidinha, desejando a ex.

É isto aí!

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