quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Zadig ou o Destino (Voltaire) Parte V - Os Generosos

Zadig ou o Destino (Voltaire) Parte V - Os Generosos

Chegou a época de uma grande festa que se celebrava de cinco em cinco anos. Era costume em Babilônia proclamar solenemente, ao cabo de cinco anos, qual o cidadão que havia praticado a ação mais generosa.

Os grandes e os magos serviam de juízes. O primeiro sátrapa, que regia a cidade, expunha as mais belas ações que haviam ocorrido sob o seu governo. Procedia-se à votação; o rei pronunciava a sentença.

Dos quatro cantos da terra, vinha gente assistir a essa solenidade. O vencedor recebia das mãos do monarca uma taça de ouro guarnecida de pedrarias, e o rei lhe dizia estas palavras: Recebei este prêmio da generosidade, e queiram os deuses conceder-me muitos súbditos que se assemelhem a vós!

Chegado o memorável dia, sentou o rei no seu trono, cercado dos grandes, dos magos e dos deputados de todas as nações que compareciam a essa justa, onde a glória não era conquistada com a rapidez dos cavalos, nem com a fôrça física, mas tão somente com a virtude. O primeiro sátrapa relatou em voz alta as ações que podiam fazer jus à inestimável recompensa. Não falou da magnanimidade com que Zadig devolvera a fortuna ao invejoso: não era ação que merecesse concorrer ao prêmio.

Apresentou primeiro um juiz que, tendo feito um cidadão perder considerável processo devido a um equívoco de que não lhe cabia responsabilidade alguma, lhe dera no entanto todos os seus bens, que eram do valor do que o outro havia perdido.

Depois um jovem que, loucamente enamorado da moça com quem ia casar, não hesitara em cedê-la a um amigo prestes a expirar de amor por ela; e ainda concorrera com o dote.

E finalmente um soldado que, na guerra de Hircânia, dera ainda maior exemplo de generosidade. Soldados inimigos procuravam raptar-lhe a sua querida, que ele defendia valentemente, quando lhe vieram dizer que outros hircanianos, a alguns passos dali, se apoderavam de sua mãe: deixou, em lágrimas, a bem-amada e correu a livrar a mãe; voltou em seguida para aquela a quem amava, e encontrou-a moribunda. Quis matar-se; a mãe lhe fez ver que ele era o seu único arrimo, e o soldado teve a coragem de suportar a vida. 

As simpatias dos juízes inclinavam-se para esse soldado, quando o rei tomou a palavra e disse:

- Sua ação e a dos outros são belas; mas não me espantam; todavia o que ontem fez Zadig me deixou verdadeiramente admirado. Há poucos dias, privara eu de minha graça a meu ministro e favorito Coreb. Queixava-me dele com violência, e todos os cortesãos me asseguravam que fora demasiado brando; cada qual se empenhava em dizer o pior possível de Coreb. Perguntei a Zadig o que pensava, e ele ousou falar bem do desvalido. Confesso que vi, nas nossas histórias, exemplos de quem indenizasse um erro com a própria fortuna, quem cedesse a noiva, ou preferisse a mãe ao objeto de seu amor; mas nunca li que um cortesão haja falado vantajosamente de um ministro em desgraça, contra o qual ainda estivesse encolerizado o soberano. Concedo vinte mil moedas de ouro a cada um cujas generosas ações acabam de ser relatadas; mas entrego a taça a Zadig.

- Senhor - disse este, - é Vossa Majestade quem merece a taça, pois foi quem praticou a ação mais inaudita: - sendo rei, não vos indignastes por haver vosso escravo contrariado as vossas paixões.

Admiraram ao rei e a Zadig. O que cedera seus bens, o que casara a noiva com o amigo, o que preferira a salvação da mãe à da mulher a quem amava, receberam os presentes do monarca; tiveram seu nome escrito no livro dos generosos. Zadig ganhou a taça. O rei adquiriu a reputação de bom príncipe, que não conservou por muito tempo. Tal dia foi comemorado com festas mais longas do que o previa a lei, e ainda é lembrado em toda a Ásia. 

Zadig dizia: "Eis-me enfim feliz!" Mas enganava-se.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Gratidão!