terça-feira, 30 de agosto de 2022

Papo de esquina - O estranho


Você se lembram daquele estranho que morava no Beco da Lavoura?

Rapaz, aquilo é que foi acontecimento. A moça que trabalhava lá na minha mãe era vizinha dele. Dizia que acordava pontualmente às 05 horas e 38 minutos. Fazia uma pequena reflexão sobre a vida e caminhava no escuro ao banheiro, sempre contando os passos para certificar de que estava no lugar certo, pois às vezes seus preceptores e hierarcas celestiais o deixavam em outro local. Já ocorrera de acordar em varias partes do planeta e até em outro planeta; nestes casos dormia novamente e reacordava em casa. 

Após o banho, abençoava o Óleo de Melaleuca e ungia a si mesmo com o sinal Alfa e Ômega, na testa, sobre as sobrancelhas, sempre o Alfa sobre a sobrancelha direita e o Ômega sobre a sobrancelha esquerda. Após esta unção de abertura da mente, benzia a Água de Rosas (colhidas no sereno, em noite de lua nova), entoava um cântico ofertando aos seres celestiais a sua santidade e aspergia por sobre a cabeça, sobre a fontanela anterior, para despertar os seres benignos que habitavam seu coração. 

Vestia sua calça branca de algodão cru alvejado, bem como a bata. Por sobre a cabeça um turbante revestido com papel alumínio, justaposto bem enlaçado, cuja finalidade era não perder seus pensamentos e guardar suas percepções do mundo só para si. Sandálias de couro cru completavam o vestuário espartano.  

Após o desjejum, jogava os dois dados sobre um veludo negro, até dar sequência dupla de soma Sete. Cada possibilidade, sua sequencia e a ordem na qual caia, 6/1, 5/2, 4/3 tinha uma leitura, assim poderia prever quais os eventos que o aguardariam no decorrer daquele dia.

E quando saia, então? Caminhava para a porta, tocava a sineta três vezes, abria e tocava outras quatro ao fechar. Como sua casa fora construída no sentido Norte/Sul, onde Sul era a porta da entrada e o Norte a porta dos fundos, sabia exatamente que à sua esquerda estaria o Leste e à sua direita o Oeste. Desta forma, fazia o ritual de percepção energética. Erguia a mão direita espalmada para o Sul e aguardava as vibrações planetárias. A seguir erguia a mão esquerda espalmada para o Oeste e fazia também a leitura das vibrações energéticas vindas daquele ponto cardeal. Com isto determinava a frequência mais positiva e seguia neste rumo.

Fazia sua jornada sem olhar para os lados e conversando incessantemente com seus amigos não visíveis nesta dimensão. Dava a volta em duas quadras à frente que o levava na  Praça da Matriz. Sentava no mesmo banco e contemplava o vazio por três horas até que um dia, enquanto meditava subiu numa escada neon aos céus à vista de todos, boquiabertos, estupefatos e abestalhados.

É isto aí!


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Gratidão!