terça-feira, 23 de abril de 2019

Os deboches de seu sósia


Uma análise do conto William Wilson de Edgar Allan Poe
Fonte: UFRGS

Em seu conto “William Wilson”, Edgar Allan Poe conta-nos a história de um rapaz que encontra, logo no primeiro dia de escola, um colega com o mesmo nome que o seu. Mas as semelhanças não se limitam ao nome, em tudo eles são iguais: na forma de agir, na forma de andar, na forma de falar e de se vestir, sendo a única diferença palpável (ou, mais corretamente, indicada pelo narrador) a voz deste duplo, que era sempre sussurrada.

No princípio da história, o narrador e seu doppelganger eram apenas colegas de escola, que se detestavam levemente por serem tão parecidos. Interessantemente, a coisa que mais causava asco e desprezo do narrador pelo seu sósia era a maneira protetora com que ele o tratava. O duplo sempre dava conselhos para o narrador, que os desprezava, mas que admite que, se tivesse os seguido, não teria caído na desgraça que caiu. Após concluir o ensino fundamental, o narrador entra em uma espiral de decadência moral e espiritual, envolvendo-se em orgias, traições e jogos de azar, enredando-se cada vez mais neste mundo sombrio. Porém, certa vez, quando iria tirar todo o dinheiro de um colega de universidade num jogo de cartas, um certo estranho, que se vestia da mesma maneira que o narrador, interveio, e denunciou o golpe armado por este. Depois disto, o narrador fugiu da Inglaterra para o continente europeu, e toda vez que iria praticar um crime ou atentado à ética, seu sósia apareceria e o entregaria.

É interessante notar que, desde os tempos de escola, o narrador falava sobre sua relação competitiva com seu duplo, e como ele estava sempre na defensiva, temendo ser subjugado por este, mas nunca falou de forma direta sobre a relação deste outro William Wilson com os outros colegas. Ele apenas diz que ele era o segundo na hierarquia estudantil, atrás apenas do outro Wilson, mas nunca disse se isto era um “consenso” entre todos os estudantes ou se assim ele acreditava que fosse.

Apenas o narrador notava os deboches de seu sósia – a eterna imitação de suas maneiras – e apesar de ser grato por isto, sempre achou curioso como isto poderia acontecer. O narrador também odiava a forma aparentemente “superior” que seu duplo se comportava. Entretanto, no fim da história, quando Wilson consegue assassinar Wilson, e vê no lugar do corpo do rival, por breves instantes, um espelho refletindo sua face ensangüentada, fica claro que nunca existiu outro William Wilson: era ele, e sempre fora ele. Quando, ainda na escola, ele se dirige ao quarto de seu rival, ele percebe que não era o seu “irmão gêmeo perdido”, mas um garoto sem importância. Pensa que se iludira, mas não percebe que a sua ilusão não se restringia ao engano de quarto. Podemos imaginar que este duplo sussurrante fosse uma compensação para a fraqueza do supereu do personagem principal, anunciada logo nos primeiros parágrafos. Como forma de proteger-se, fantasiava que era denunciado por outrem quando na verdade ele próprio deveria denunciar-se, provavelmente de maneira inconsciente. No final da história, o narrador consegue assassinar seu implacável perseguidor, que estava sempre dentro de si, mas acaba com isso matando uma importante parte de si mesmo. Paradoxalmente, a partir deste momento é que ele se torna capaz de sentir culpa pelo que fez, pois talvez este seu supereu projetado não tenha morrido, mas se internalizado quando de sua “morte” externa.

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