sábado, 24 de agosto de 2019

Valsa, fala sobre aquilo.


Todo mundo conhecia Valsa. Todo mundo incluindo a voluptuosa Martinha, moça prendada na arte de fazer arte. Valsa era um sujeito meticuloso, andar lento, movimentos calculados, roupa sem vinco e um jeito leve de ganhar a vida. Passos lisos, sorriso matreiro, enfim, um homem sem ponta solta como definiu o Souza da barbearia.

Ganhou este apelido na juventude, parecia uma valsa, diziam, era leve demais, harmônico. mas o tempo passa, os reclames ficam mais apurados e Martinha, a moça prendada e voluptuosa, entrou na sua vida. Certa noite estavam lado a lado, ombro a ombro, sentados no banco da praça da Matriz, e deu-se o diálogo que mudou tudo.

- Valsa, a gente não deveria estar conversando sobre alguma coisa?

- Martinha, concordo, fale sobre qualquer coisa.

- Sobre o que nós ainda não conversamos, Valsa?

- Olhou profundamente nos olhos de Martinha, mordeu o lábio inferior, coçou o queixo com a mão direita, respirou fundo e sussurrou - sobre aquilo.

- Sim, tem razão Valsa, nestes três anos, aquilo sempre nos deixou sem palavras.

- Sim, Martinha, você tem razão.

- Valsa, vamos comemorar o desaniversário de nunca falar sobre aquilo com uma gargalhada?

- Não sei, Martinha, não sei se deveríamos rir.

- Então começa, Valsa. Dê a sua gargalhada contagiante.

- Martinha ...

- Valsa, você está chorando? Valsa? Fala comigo! Valsa ... para, Valsa ...

- Martinha ...

- Valsa ...

- Martinha, eu, eu, eu ... perdi meu relógio.

- Perdeu aquele relógio? Ah, tadinho ... Valsa, não precisa se preocupar. Eu vou fazer hora para você.

- Jura?

- Juro. Mas só se você parar de chorar e conversarmos sobre aquilo.

- Valsa levantou-se chorando, despediu polidamente da voluptuosa Martinha e nunca mais foi visto.

É isto aí!

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Gratidão!