quinta-feira, 1 de setembro de 2022

Papo de Esquina: O misterioso Homem Juliana


Agora que tudo já passou, vocês dois poderiam comentar aquela história do viajante que virou assunto em toda a cidade por muito tempo, conhecido como Homem Juliana? 

Da minha parte tudo bem. Mas terei que ir e vir nas histórias, pois tem muitas informações truncadas. O fato é que tínhamos poucos elementos para seguirmos uma linha de raciocínio. Era julho de 2003, frio gelado. Recordo que atendi ao chamado onde patrulheiros encontraram o carro logo depois da Curva do Boi. Segui para o local achando que seria mais uma noite de rotina, talvez um bêbado perdido, numa região onde todo mundo conhece todo mundo. 

Segundo nossas investigações, o sujeito parou na cidade vizinha, onde ocorria uma festa pública em homenagem ao santo padroeiro, cerca de vinte quilômetros daqui, e que por relatos de diversas testemunhas, proseou, enamorou e ofereceu carona para uma moça linda, misteriosa, inteligente, gentil, educada, completamente desconhecida na pequena cidade com cerca de dois mil habitantes. 

Aqui cabe uma observação: O Waltinho Fotógrafo, que sempre prestou serviço para a delegacia, nos procurou assim que soube do ocorrido, um dia depois, eu acho. Estava na festa do arraial, e ao ver aquela mulher linda, diferente, fotografou-a muitas vezes, mais de vinte fotografias, inclusive na calçada, quando a porta do carro abriu para ela, de frente, de lado, de costas, entrando no carro, enfim, pegou todos os ângulos. Inclusive relatou que ao entrar no carro, ela se virou e sorriu para ele. 

Então vocês tinham uma pista?

Aí é que a coisa fica estranha, se é que há algo que não seja estranho nesta história. O Waltinho tinha uma Câmera Digital série F de superzoom da Sony modelo F828. Ela possuía sensor de 2/3 de polegada com 8 megapixels de resolução e sua objetiva Carl Zeiss 28-300mm possuía anel de foco e zoom e era bem luminosa, a abertura era f/2.0-2.8 com macro de 2cm que era excelente.

E qual  a importância disto no caso?

A verdade é que acreditávamos que as fotografias poderiam nos levar a uma importante pista, só que ao abrir as fotos digitais, descobrimos juntos com o Waltinho que ela não aparecia em nenhuma delas, era como se não existisse. Logo ela que seria a testemunha chave deste que foi um dos maiores mistérios do Reino da Pitangueira. E além disto, tínhamos testemunhas oculares, inclusive com detalhes da roupa cabelo, etc., mas nem o hotel, bares e restaurantes onde ela supostamente hospedou e circulou, tinham imagem ou quaisquer informações ao seu respeito. 

Visto esta inserção sobre as fotografias digitais do Waltinho, volto ao caso chegando ao local. O que vi foi um homem desconhecido, desacordado, nu, imenso, sentado na poltrona do motorista, carro ligado, faróis acessos, e trancado por dentro. Ao abrir a porta pelo quebra-vento, pareceu entrar numa espécie de transe, num estado alterado da consciência, falando coisas desconexas e tendo espasmos. Estranhamente calçava meias de natureza desconhecida. Encaminhei ao hospital e pedi para investigarem pelo carro, já que também não tinha documentos, nem tickets, nem recibos, nem bolsa, nem sacola. O carro, um Fusca Fafá 1300L 1979, estava completamente limpo.

Eu o recebi no hospital. Estava de plantão naquela noite. Não deu trabalho e tinha os sinais vitais mantidos. Levou dois dias para recobrar a consciência, se é que posso dizer assim. Só falava um nome - Juliana - às vezes sussurrava, às vezes gritava por ela. 

Enquanto isto descobrimos na delegacia que o carro não nos levaria a nenhum lugar, não tinha registro, nem número de chassi, nem identificação alguma que valesse. Mandamos sua impressão digital para a capital a fim de fazerem uma varredura e nada, aquele homem, que passou a ser chamado de Homem Juliana, não existia no sistema nacional nem no internacional. 

No hospital apenas observávamos sua aparente melhora. Não respondia a nenhuma pergunta, nem verbalizando, nem sinalizando. O olhar continuava vago, focado no vazio. No quinto dia, mais calmo, embora repetindo e/ou chamando incessantemente pela moça, sentou para sua primeira refeição. Alimentou pouco e sussurrava Juliana, Juliana ... Em seguida deitou. Naquela tarde fez uma convulsão e entrou em coma, mas tinha uma expressão facial de paz inexplicável. 

No décimo quarto dia, às duas horas de uma madrugada atormentada por uma forte tempestade fora de época, senão a maior já registrada no Reino, a enfermeira ligou para a nossa delegacia, sussurrando, que uma moça desconhecida invadira o prédio pela portaria principal, neutralizara os dois seguranças e caminhara rapidamente até a UTI. No tumulto e correria dos funcionários e equipe de enfermagem para barrá-la, tudo que viram foi uma explosão silenciosa de luzes dentro da UTI que culminou com o desaparecimento dos dois. 

É interessante salientar que assim que começou a tempestade, toda a cidade ficou no escuro e no Hospital o gerador foi acionado para as luzes de emergência e manutenção dos equipamentos, mesmo assim as câmeras de segurança não registraram a moça no corredor ou na UTI.

Desta forma o tempo foi passando, passando, passando e o caso virou lenda, como se nunca houvera ocorrido. O mais curioso, se é que existe algo mais curioso que isto, é que o carro, que se encontrava no depósito da prefeitura, também despareceu naquela mesma madrugada.  

Aí vou tomar a liberdade de comentar mais um fato inusitado, meus amigos, que muitos, inclusive vocês dois, desconhecem. No leito onde ficou internado, foram encontradas as tais meias. A equipe do hospital me entregou lacradas dentro de um envelope pardo. Fotografei-as e guardei na caixa do processo. Uma semana depois recebi um telefonema de Brasília, onde um certo Dr Parreira informava que o Inspetor Federal Grey Thompson apareceria para verificar o caso. Este homem apareceu, fez perguntas por aí e sumiu tão misteriosamente quanto veio. Ninguém em Brasília sabia dele nem do Dr Parreira, e deu que um mês depois as meias sumiram. Abrimos sindicância que está até hoje inconclusiva. 

Mas você ainda tinha as fotos?

Sim, claro. De posse das fotos pensei que poderia ter uma pista, já que constava o fabricante. Descobri pela Interpol que se tratava de uma centenária indústria têxtil alemã que não produzia nem possuía tecnologia para produzir tal meia em 2003.

Acompanhei o mistério da meia por anos a fio e apenas vim a descobrir recentemente que somente a partir de 2013 que esta indústria passou a produzi-la, sendo que em 2013 produziu, pasmem, raríssimos e caríssimos 10 pares. Descobri que a lã de vicunha  é produzida a partir da pelagem da vicunha, um animal parente dos lhamas e das alpacas, que habita os alpes sul-americanos. São, inclusive, o animal nacional do Peru. O elevado preço desta lã prende-se com a sua raridade e o difícil processo de obtenção.

Mas  e o Inspetor federal? 

Ah! Isto é assunto tenso e ficará para outra ocasião. 

É isto aí!


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