terça-feira, 26 de setembro de 2023

Ainda uma vez - Adeus (Gonçalves Dias)

Gonçalves Dias (Aldeias Altas MA, 10 de agosto de 1823 – Guimarães MA, 3 de novembro de 1864) foi um poeta, advogado, jornalista, etnógrafo e teatrólogo brasileiro. Um grande expoente do romantismo brasileiro e da tradição literária conhecida como "indianismo".

É famoso por ter escrito o poema "Canção do Exílio", o curto poema épico I-Juca-Pirama e muitos outros poemas nacionalistas e patrióticos, além de seu segundo mais conhecido poema chamado: Canções de Exílio que viriam a dar-lhe o título de poeta nacional do Brasil. Foi um ávido pesquisador das línguas indígenas e do folclore brasileiro.

Alto lá
Este texto abaixo não é meu
Confesso que copiei e colei 
Autor: Fernando Bandini (Professor de Literatura)
Fonte: SAMPI (Jornal de Jundiaí) em 03/05/2023

Alto lá
Este poema abaixo não é meu
Confesso que copiei e colei
Fonte: UNAMA (Universidade da Amazônia)


"Enfim te vejo! enfim posso,/Curvado a teus pés, dizer-te,/Que não cessei de querer-te,/Pesar de quanto sofri". Assim começa "Ainda uma vez -- adeus", de Gonçalves Dias, obra-prima da dor-de-cotovelo na literatura de língua portuguesa. 

Neste ano do bicentenário do poeta maranhense (ele nasceu em 10 de agosto de 1823), vamos relembrar alguns de seus versos mais significativos. "Ainda uma vez..." nasceu de um desafortunado caso de amor. Todos sabem que Antônio Gonçalves Dias é um dos grandes nomes de nossa literatura. Um escritor e tanto, admirado pelos colegas (Manuel Bandeira, por exemplo, foi um dos gigantes a louvá-lo), reconhecido em vida e perpetuado pela história literária. 

Mas (ah, essa terrível conjunção) houve quem com ele não simpatizasse, e não por razões artísticas, mas por preconceito racial e ranço moralista. O poeta conheceu uma jovem maranhense, Ana Amélia Ferreira do Vale, em 1851, quando ela tinha 20 anos, e ele, 28. Apaixonou-se pela garota. Ele era então um bacharel em Direito formado em Coimbra, talentoso poeta e dramaturgo em ascensão, que viria a publicar "Canção do exílio" ("Minha terra tem palmeiras/Onde canta o sabiá(...)"), um dos textos mais populares da literatura brasileira. 

Pediu a mão de Ana Amélia em casamento, mas a mãe dela recusou. A sogra não queria por genro um rapaz mestiço e bastardo (o pai do autor, comerciante português radicado no Maranhão, engravidou uma jovem cafuza, mas não se casou com ela). O poeta escreveu carta ao amigo José Joaquim, irmão de Ana Amélia, tratando de seu drama sentimental. O documento está preservado no acervo do Instituto Moreira Salles. 

Rejeitado pela família de quem amava, Gonçalves Dias casou-se em 1852 com Olímpia da Costa. Viveram um casamento atribulado, desfeito em 1856. O casal teve uma filha, morta ainda na primeira infância. Seguindo o figurino da época, Ana Amélia casou-se com um marido escolhido pela mãe da noiva. Um dos motivos para brotar o "Ainda uma vez..." seria o reencontro casual de Gonçalves Dias com a quase ex - ela de braço dado com o marido. Ana Amélia fingira não o conhecer e teria lhe virado o rosto. Passagem que inspiraria o trecho "Mas que tens? Não me conheces?/ De mim afastas teu rosto?/Pois tanto pode o desgosto/Transformar o rosto meu?". O eu lírico quer se iludir, supondo que ela não o reconheceu porque o sofrimento transformara demais e para pior as feições dele. 

A estrofe final notabilizou-se como exemplo bem acabado do exagero sentimental romântico: "Lerás porém algum dia/Meus versos, d'alma arrancados,/D'amargo pranto banhados,/Com sangue escritos; e então/Confio que te comovas,/Que a minha dor te apiede,/Que chores, não de saudade,/Nem de amor, de compaixão".


Ainda uma vez - Adeus

I
Enfim te vejo! — enfim posso,
Curvado a teus pés, dizer-te,
Que não cessei de querer-te,
Pesar de quanto sofri.
Muito penei! Cruas ânsias,
Dos teus olhos afastado,
Houveram-me acabrunhado
A não lembrar-me de ti!

II
Dum mundo a outro impelido,
Derramei os meus lamentos
Nas surdas asas dos ventos,
Do mar na crespa cerviz!
Baldão, ludíbrio da sorte
Em terra estranha, entre gente,
Que alheios males não sente,
Nem se condói do infeliz!

III
Louco, aflito, a saciar-me
D’agravar minha ferida,
Tomou-me tédio da vida,
Passos da morte senti;
Mas quase no passo extremo,
No último arcar da esp’rança,
Tu me vieste à lembrança:
Quis viver mais e vivi!

IV
Vivi; pois Deus me guardava
Para este lugar e hora!
Depois de tanto, senhora,
Ver-te e falar-te outra vez;
Rever-me em teu rosto amigo,
Pensar em quanto hei perdido,
E este pranto dolorido
Deixar correr a teus pés.

V
Mas que tens? Não me conheces?
De mim afastas teu rosto?
Pois tanto pôde o desgosto
Transformar o rosto meu?
Sei a aflição quanto pode,
Sei quanto ela desfigura,
E eu não vivi na ventura...
Olha-me bem, que sou eu!

VI
Nenhuma voz me diriges!...
Julgas-te acaso ofendida?
Deste-me amor, e a vida
Que me darias — bem sei;
Mas lembrem-te aqueles feros
Corações, que se meteram
Entre nós; e se venceram,
Mal sabes quanto lutei!

VII
Oh! se lutei!... mas devera
Expor-te em pública praça,
Como um alvo à populaça,
Um alvo aos dictérios seus!
Devera, podia acaso
Tal sacrifício aceitar-te
Para no cabo pagar-te,
Meus dias unindo aos teus?

VIII
Devera, sim; mas pensava,
Que de mim t’esquecerias,
Que, sem mim, alegres dias
T’esperavam; e em favor
De minhas preces, contava
Que o bom Deus me aceitaria
O meu quinhão de alegria
Pelo teu, quinhão de dor!

IX
Que me enganei, ora o vejo;
Nadam-te os olhos em pranto,
Arfa-te o peito, e no entanto
Nem me podes encarar;
Erro foi, mas não foi crime,
Não te esqueci, eu to juro:
Sacrifiquei meu futuro,
Vida e glória por te amar!

X
Tudo, tudo; e na miséria
Dum martírio prolongado,
Lento, cruel, disfarçado,
Que eu nem a ti confiei;
“Ela é feliz (me dizia)
“Seu descanso é obra minha.”
Negou-me a sorte mesquinha...
Perdoa, que me enganei!

XI
Tantos encantos me tinham,
Tanta ilusão me afagava
De noite, quando acordava,
De dia em sonhos talvez!
Tudo isso agora onde pára?
Onde a ilusão dos meus sonhos?
Tantos projetos risonhos,
Tudo esse engano desfez!

XII
Enganei-me!... — Horrendo caos
Nessas palavras se encerra,
Quando do engano, quem erra.
Não pode voltar atrás!
Amarga irrisão! reflete:
Quando eu gozar-te pudera,
Mártir quis ser, cuidei qu’era...
E um louco fui, nada mais!

XIII
Louco, julguei adornar-me
Com palmas d’alta virtude!
Que tinha eu bronco e rude
C’o que se chama ideal?
O meu eras tu, não outro;
Stava em deixar minha vida
Correr por ti conduzida,
Pura, na ausência do mal.

XIV
Pensar eu que o teu destino
Ligado ao meu, outro fora,
Pensar que te vejo agora,
Por culpa minha, infeliz;
Pensar que a tua ventura
Deus ab eterno a fizera,
No meu caminho a pusera...
E eu! eu fui que a não quis!

XV
És doutro agora, e pr’a sempre!
Eu a mísero desterro
Volto, chorando o meu erro,
Quase descrendo dos céus!
Dói-te de mim, pois me encontras
Em tanta miséria posto,
Que a expressão deste desgosto
Será um crime ante Deus!

XVI
Dói-te de mim, que t’imploro
Perdão, a teus pés curvado;
Perdão!... de não ter ousado
Viver contente e feliz!
Perdão da minha miséria,
Da dor que me rala o peito,
E se do mal que te hei feito,
Também do mal que me fiz!

XVII
Adeus qu’eu parto, senhora;
Negou-me o fado inimigo
Passar a vida contigo,
Ter sepultura entre os meus;
Negou-me nesta hora extrema,
Por extrema despedida,
Ouvir-te a voz comovida
Soluçar um breve Adeus!

XVIII
Lerás porém algum dia
Meus versos d’alma arrancados,
D’amargo pranto banhados,
Com sangue escritos; — e então
Confio que te comovas,
Que a minha dor te apiade
Que chores, não de saudade,
Nem de amor, — de compaixão. 

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