Introdução
Às vezes, a burocracia ganha ares de teatro. No balcão dos guichês, entre carimbos, formulários e normas, nasce uma comédia absurda — onde o cidadão se perde em detalhes e o servidor se refugia na arrogância do regulamento.
Foi desse cenário que surgiu dentro do Reino da Pitangueira “O Guichê 17”, uma pequena peça satírica que expõe, com humor e ironia, o choque entre a ingenuidade de quem busca ajuda e a rigidez impessoal do sistema.
No fundo, “O Guichê 17” não é apenas uma cena inventada. É o reflexo de um labirinto cotidiano em que todos nós, em algum momento, já nos vimos presos: entre filas, formulários e respostas automáticas.
A sátira revela o ridículo do excesso de burocracia, mas também nos lembra de algo essencial: a humanidade se perde quando a regra fala mais alto do que a escuta.
Personagens
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Narrador
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Atendente
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Beverlin Rios
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Voz ao Fundo
Cena única
(Luzes frias. Uma fila silenciosa diante de uma placa que brilha: “GUICHÊ 17”. O Narrador abre a cena em voz grave e metálica.)
Narrador
— Beverlin Rios!! Beverlin Rios!! Quem é Beverlin Rios???
(Beverlin ergue a mão, tímido, com papéis amarrotados.)
Beverlin Rios
— Aqui...
Atendente
— Levante o crachá e se aproxime do guichê 17, por favor.
— Me entregue os documentos na ordem que eu mandar. O senhor entendeu?
Beverlin Rios
— Sim...
Atendente
— Para o senhor e para os da sua espécie, a resposta correta é: “Sim, senhor”.
(pausa didática)
— Só para constar: esse “Sim, senhor”, com a vírgula, separa o advérbio do vocativo.
— A vírgula marca respeito — e a sua ignorância.
— Estamos nos entendendo?
Beverlin Rios
— Sim... acho que sim...
Atendente
— Sim, senhor, seu pau de bosta!
— Vá até a bancada popular e preencha este formulário A1/45B com letra cursiva.
— Nome completo, data de nascimento, CPF e nome da mãe.
Beverlin Rios
— Onde encontro essa letra cursiva?
Atendente
— No seu cérebro! Mais alguma pergunta?
Beverlin Rios
— É com caneta ou lápis?
Atendente
— Caneta.
Beverlin Rios
— Azul ou preta?
Atendente
— Azul.
Beverlin Rios
— O senhor pode me emprestar uma?
Atendente
— No edital dizia que a portabilidade da caneta é obrigatória.
Beverlin Rios
— Eu li... mas não sabia o que era portabilidade.
Atendente
— Toma a caneta, seu coisado! Mais alguma pergunta?
Beverlin Rios
— Sim... não entendi esse negócio de nome da mãe... de que mãe estão falando?
Atendente
— Sinto, mas não posso dizer-lhe.
(Beverlin olha para o público, desesperado, mãos ao alto.)
Beverlin Rios
— E agora... quem poderá me socorrer???
Voz ao Fundo
(eco metálico nos alto-falantes)
— O próximo! Pode chamar o próximo...
(O Atendente recolhe os papéis com frieza. Beverlin permanece parado, derrotado. As luzes se apagam.)
Sobre a imagem:
O Pensador é uma das mais famosas esculturas de bronze do escultor francês Auguste Rodin. Retrata um homem em meditação soberba, lutando com uma poderosa força interna. (Wikipédia)
Artista: Auguste Rodin
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