quinta-feira, 25 de julho de 2013

A máquina do mundo


A Máquina do Mundo (Carlos Drummond de Andrade)





  


E como eu palmilhasse vagamente


uma estrada de Minas, pedregosa,


e no fecho da tarde um sino rouco





se misturasse ao som de meus sapatos


que era pausado e seco; e aves pairassem


no céu de chumbo, e suas formas pretas





lentamente se fossem diluindo


na escuridão maior, vinda dos montes


e de meu próprio ser desenganado,





a máquina do mundo se entreabriu


para quem de a romper já se esquivava


e só de o ter pensado se carpia.





Abriu-se majestosa e circunspecta,


sem emitir um som que fosse impuro


nem um clarão maior que o tolerável





pelas pupilas gastas na inspeção


contínua e dolorosa do deserto,


e pela mente exausta de mentar





toda uma realidade que transcende


a própria imagem sua debuxada


no rosto do mistério, nos abismos.





Abriu-se em calma pura, e convidando


quantos sentidos e intuições restavam


a quem de os ter usado os já perdera





e nem desejaria recobrá-los,


se em vão e para sempre repetimos


os mesmos sem roteiro tristes périplos,





convidando-os a todos, em coorte,


a se aplicarem sobre o pasto inédito




da natureza mítica das coisas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Gratidão!