Toda manhã Carlinhos descia as escadas em saltos, e em questão de segundos chegava no hall a tempo de esperá-la sair do elevador, enquanto fingia estar aguardando para subir. Buscava seus olhos que não buscavam ninguém. Subia, arrumava-se rapidamente e seguia para o trabalho.
No horário do almoço, na moto do colega de serviço, atravessava todo o trânsito tumultuado da cidade, até chegar à porta da faculdade onde naquele instante ela saia. Aguardava que passasse por ele, e ficava ali, feito uma árvore sem galhos no deserto, sem encanto e sem sombras suficientes para que fosse notado.
Conseguiu uma vaga no curso de Francês no horário imediato ao dela, no início da noite, depois que largava o serviço, de maneira que entrava na sala onde a musa saia, e inalava seu perfume inebriante em total êxtase romântica e solitária.
Mandou flores umas três vezes, de maneira anônima, e foi ele o próprio entregador, mas em nenhuma das ocasiões ela abriu a porta para recebê-las, de forma que nunca soube a expressão do seu rosto ao deparar com aqueles modestos bouquets econômicos.
Investigava todas as suas postagens nas redes sociais, copiava todas as fotos que postava, sabia todos os seus gostos musicais, o time preferido, os filmes, as maiores amigas e contentava-se em saber que estava sozinha há mais de um ano.
Um dia não a viu, procurou em todos os lugares e nada de encontrá-la. Buscou nas redes e as contas estavam encerradas. Foi na faculdade, pesquisou pacientemente as páginas das melhores amigas, perguntou aos porteiros do prédio e ninguém sabia informar do seu paradeiro.
Sofreu em total colapso de dor. Teve febre, pânico, insônia, gastrite, enxaquecas terríveis e nada disto a trouxe de volta. Três anos depois casou-se com uma moça do escritório, e teve uma vida reta até semana passada, depois da última vez que a viu.
Estava na fila do supermercado, e sentiu o perfume. Voltou-se, era ela imediatamente atrás. Estava lindíssima, exuberante, uma mulher de encantamento ímpar. Olhou-a nos olhos buscando uma resposta para sua dor intermitente. A vida passou-lhe em segundos. Lágrimas caíram discretamente dos seus olhos. Ela o olhou, aproximou-se, fitou no fundo da sua alma e pela primeira vez na vida, dirigiu-lhe a palavra.
- Desculpa, mas o senhor é o pai do Carlinhos que morava no Batata?
- Pai??? Não!!! Desculpe, mas há um grande engano - eu sou o Carlinhos. Não está me reconhecendo?
- Nossa, como você está acabado. Você tem alguma doença degenerativa?
- É... estou acabado. Mas desculpa por ter me encontrado...
- Tudo bem, mas procura um médico...
- Obrigado pela recomendação.
Ao sair do caixa estava cabisbaixo, arrasado, destruído e desmoralizado, e então sua autoestima deu-lhe uma coragem inesperada. Virou para a ex-amada com olhos de ira e com dedo em riste bradou - aqui, eu estou acabado sim, mas quer saber de uma coisa?
- Sim? pode falar.
- Nada não, era só para agradecer sua preocupação comigo...
É isto aí!
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