Dia destes estive no Observatório Imperial da Colina do Bom Senso, no Estado de Direito Monocrático e Democrático do Reino da Pitangueira, conquistado e concedido a mim por mim mesmo mediante cláusulas pétreas, perfeitas e serenas.
Na Colina do Bom Senso observei Bananaland, a próspera pátria do futuro onde jorra leite e mel. Poderia aqui desfiar fio a fio o que vi, mas não precisa - Bananaland está condenada a ser apenas o que seus dominadores marcianos, plutonianos, jupiterianos e saturninos desejarem que seja. Só e somente só isto.
É isto aí!
Que triste isso e a coisa toda, que a cada dia se envergonha menos de mostrar sua face horrenda (com apoiadores...).
ResponderExcluirQuerida Amanda, recorro ao poeta maior Drummond para replicar seu comentário, com o "Soneto da perdida esperança":
ExcluirPerdi o bonde e a esperança.
Volto pálido para casa.
A rua é inútil e nenhum auto
passaria sobre meu corpo.
Vou subir a ladeira lenta
em que os caminhos se fundem.
Todos eles conduzem ao
princípio do drama e da flora.
Não sei se estou sofrendo
ou se é alguém que se diverte
por que não?na noite escassa
com um insolúvel flautim.
Entretanto há muito tempo
nós gritamos: sim! ao eterno.
Minas Gerais, três de agosto de 2018
ResponderExcluirCaro Paulo,
que a poesia nos explique ou que ela nos atravesse (que é muito mais provável e melhor). Não temos nada, agora, além dela.
Adoro Drummond e este poema que publicou é um dos meus preferidos. Mas tinha acabado de ler o seu texto ontem, quando li este outro poema dele...logo depois. De sensações irmãs, resolvi partilhar...
"Às duas horas da tarde deste nove de agosto de 1847
nesta fazenda do Tanque e em dez outras casas de rei, q não de valete,
em Itabira Ferros Guanhães Cocais Joanesia Capão
diante do estrume em q se movem nossos escravos, e da viração
perfumada dos cafezais q trança na palma dos coqueiros
fiéis servidores de nossa paisagem e de nossos fins primeiros,
deliberamos vender, como de fato vendemos, cedendo posse jus e domínio
e abrangendo desde os engenhos de secar areia até o ouro mais fino,
nossas lavras mto nossas por herança de nossos pais e sogros bem amados
q dormem na paz de Deus entre santas e santos martirizados.
Por isso neste papel azul Bath escrevemos com a nossa melhor letra
estes nomes c] em qualquer tempo desafiarão tramóia trapaça e treta:
ESMERIL PISSARRÃO
CANDONGA CONCEIÇÃO
E tudo damos por vendido ao compadre e nosso amigo
[o snr Raimundo Procópio
e a d. Maria Narcisa sua mulher, e o q não fôr vendido, por alborque
de nossa mão passará, e trocaremos lavras por matas,
lavras por títulos, lavras por mulas, lavras por mulatas e arriatas,
que trocar é nosso fraco e lucrar é nosso forte. Mas fique esclarecido:
somos levados menos por gosto do sempre negócio q no sentido
de nossa remota descendência ainda mal debuxada no longe dos serros.
De nossa mente lavamos o ouro como de nossa alma um dia os erros
se lavarão na pia da penitência. E filhos netos bisnetos
tataranetos despojados dos bens mais sólidos e
[rutilantes portanto os mais completos
irão tomando a pouco e pouco desapego de toda fortuna
e concentrando seu fervor numa riqueza só, abstrata e una.
LAVRA DA PACIÊNCIA
LAVRINHA DE CUBAS
ITABIRUÇU
II
Mais que todos deserdamos
deste nosso oblíquo modo
um menino inda não nado
(e melhor não fora nado)
que de nada lhe daremos
sua parte de nonada
e que nada, porém nada
o há de ter desenganado.
E nossa rica fazenda
já presto se desfazendo
vai-se em sal cristalizando
na porta de sua casa
ou até na ponta da asa
de seu nariz fino e frágil,
de sua alma fina e frágil,
de sua certeza frágil
frágil frágil frágil frágil
mas que por frágil é ágil,
e na sua mala-sorte
se rirá êle da morte.
PS: Não cabe todo ele em um só comentário...
continuando:
ResponderExcluirIII
Este figura em nosso
pensamento secreto.
Num magoado alvoroço
o queremos marcado
a nos negar; depois
de sua negação
nos buscará. Em tudo
será pelo contrário
seu fado extra-ordinário.
Vergonha da família
que de nobre se humilha
na sua malincônica
tristura meio cômica,
dulciamara nux-vomica.
IV
Este hemos por bem
reduzir à simples
condição ninguém.
Não lavrará campo.
Tirará sustento
de algum mel nojento.
Há de ser violento
sem ter movimento.
Sofrerá tormenta
no melhor momento.
Não se sujeitando
a um poder celeste
ei-lo senão quando
de nudez se veste,
roga à escuridão
abrir-se em clarão.
Este será tonto
e amará no vinho
um novo equilíbrio
e seu passo tíbio
sairá na cola
de nenhum caminho.
V
— Não judie com o menino
compadre.
— Não torça tanto o pepino,
major.
— Assim vai crescer mofino,
sinhô!
— Pedimos pelo menino porque pedir é nosso destino.
Pedimos pelo menino porque vamos acalentá-lo.
Pedimos pelo menino porque já se ouve planger o sino
do tombo que êle levar quando monte a cavalo.
— Vai cair do cavalo
de cabeça no valo.
Vai ter catapora
amarelão e gálico
vai errar o caminho
vai quebrar o pescoço
vai deitar-se no espinho
fazer tanta besteira
e dar tanto desgosto
que nem a vida inteira
dava para contar.
E vai muito chorar.
(A praga que te rogo
para teu bem será.)
VI
Os urubus no telhado:
E virá a companhia inglesa e por sua vez comprará tudo
e por sua vez perderá tudo e tudo volverá a nada
e secado o ouro escorrerá ferro, e secos morros de ferro
taparão o vale sinistro onde não mais haverá privilégios,
e se irão os últimos escravos, e virão os primeiros camaradas;
e a besta Belisa renderá os arrogantes corcéis da monarquia,
e a vaca Belisa dará leite no curral vazio para o menino doentio,
e o menino crescerá sombrio, e os antepassados no cemitério
se rirão se rirão porque os mortos não choram.
VII
Ó monstros lajos e andridos que me perseguis com vossas barganhas
sobre meu berço imaturo e de minhas minas me expulsais.
Os parentes que eu amo expiraram solteiros.
Os parentes que eu tenho não circulam em mim.
Meu sangue é dos que não negociaram, minha alma é dos pretos,
minha carne dos palhaços, minha fome das nuvens,
e não tenho outro amor a não ser o dos doidos.
Onde estás, capitão, onde estás, João Francisco,
do alto de tua serra eu te sinto sozinho
e sem filhos e netos interrompes a linha
que veio dar a mim neste chão esgotado.
Salva-me, capitão, de um passado voraz.
Livra-me, capitão, da conjura dos mortos.
Inclui-me entre os que não são, sendo filhos de ti.
E no fundo da mina, ó capitão, me esconde.
VIII
— Ó meu, ó nosso filho de cem anos depois,
que não sabes viver nem conheces os bois
pelos seus nomes tradicionais. .. nem suas cores
marcadas em padrões eternos desde o Egito.
Ó filho pobre, e descorçoado, e finito,
ó inapto para as cavalhadas e os trabalhos brutais
com a faca, o formão, o couro... Ó tal como quiséramos
para tristeza nossa e consumação das eras,
para o fim de tudo que foi grande!
Ó desejado,
ó poeta de uma poesia que se furta e se expande
à maneira de um lado de pez e resíduos letais...
És nosso fim natural e somos teu adubo,
tua explicação e tua mais singela virtude. . .
Pois carecia que um de nós nos recusasse
para melhor servir-nos. Face a face
te contemplamos, e é teu esse primeiro
e úmido beijo em nossa boca de barro e de sarro" (C.D.A)
Querida Amanda,
ExcluirQuão ciente sois da dor do próximo, Amanda. Só uma pessoa que ama o próximo seria capaz de ver a dor infinita promovida pela moral restrita da corte dos homens de bem.
Lerei, relerei, guardarei elevarei comigo esta aula de hoje. desconhecia a prosa, apesar de conhecer literalmente cada rincão citado - Itabira, Ferros, Guanhães, Cocais, Joanesia e Capão. Parte deste leste de Minas que foi tomado a sangue, muito sangue. estas cidades são de uma rota clandestina que saia de Diamantina rumo a Caravelas-BA, com contrabando de diamantes para os ingleses ... ah! os ingleses ...
Muito emocionado e agradecido pela sua contribuição.
Minas Gerais, quarto dia de agosto de 2018
ExcluirCaro Paulo (também abro aqui um espaço-exceção)
Bom, primeiro, para dizer que me sinto lisonjeada pela presença em sua fila de leituras (que honra!). Não conheço Ken Follet, mas já temo ser lida em seguida... Romances Históricos são tão cheios de desdobramentos e emoções. Será muito difícil não ser menor. rs
Também fiquei muito feliz em enviar os exemplares para você, leitor-interlocutor a quem sou tão grata. E sim, os exemplares autografados são muito restritos, só mesmo aos mais próximos(Que bom que eu pude enviá-los para você!).
Quanto ao poema/prosa de Drummond eu já o conhecia há algum tempo e o reli algumas vezes, desde então. Depois de ter lido o seu texto, voltei ao poema...sempre volto. E achei que se você não o conhecesse, gostaria de lê-lo, que bom que gostou. É também muito bom retribuir a gentileza das boas partilhas...o mundo é melhor assim.
Abraços