segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Florzinha e a dor dente


Cidadezinha pacata, todo mundo conhece todo mundo, três mil habitantes, tranquila, sem pecadores, sem crimes, sem fatos que fazem valer uma noticia sequer. Um dia Teófilo da Preta foi visto por Marcolino da Graxa, um solteiro convicto, entrando na igrejinha cedo, cedo. Marcolino pé-ante-pé seguiu o compadre a tempo de vê-lo fazer uma promessa ajoelhado diante da imagem de São Libório para tratar de um problema nas vias urinárias. Marcolino, sentindo das dores do amigo, aproximou-se, perguntou se sofria do mesmo mal e tratou de fazer o mesmo, seguindo orientação do boticário. 

Depois daquele dia, toda manhã, antes da missa, os dois em silêncio entravam pela sacristia e desfiavam o rosário até o fim, sem esquecer das jaculatórias em latim. Levantavam-se antes da porta abrir e saiam furtivamente, para não dar conversa às beatas. Dado que suspeitavam que uma delas, das três que amasiavam de forma furtiva, era a responsável pela moléstia, ou por contágio ou por feitiço, destes que fazem nas encruzilhadas e nas quedas d'água.

Como evitava Florzinha, a esposa, desde o acontecido, por orientação do boticário, ela pegou de desconfiar que acabara o amor, e de uma forma de auto-sabotagem, passou a se martirizar no finalzinho das tardes quentes e abafadas da região, com o martírio verde, um ritual secular que consistia em, por meio de jejum e trabalho pesado, passar por trabalhos árduos em penitência e arrependimento, para esquecer o desejo primitivo.

Após a penitência, ia para a igreja para ouvir a pregação da noite, entoando cânticos e falando coisas das quais não entendia nada, mas pela sonoridade, deveriam ser santas. Já com uns vinte dias no martírio, cabeça quente e corpo em desalinho, percebeu o olhar do Dr. Betinho, o nobre e galante dentista. Dr. Betinho a comeu e lambeu com os olhos. Foi como sentir o boticão em riste a invadir-lhe a alma. Foi uma longa noite acordada ao lado do esposo, alegando uma imensa dor de dente, que acarretou numa consulta logo na manhã seguinte.

Dr. Betinho, ao ver aquela formosura deitada na sua cadeira moderna, de comandos elétricos, foi logo se atracando, e como resposta um sonoro tapa esbofeteou sua rosada face. Mas o que é isto? - No que ela respondeu - uai, se perguntarem eu tentei me defender ... mas o dentista, também com uma enorme infecção urinária endêmica na pacata cidade, não conseguiu atender aos anseios da formosa amante.

Desde então Florzinha endoideceu. Passou a andar esquisita, se achando vítima de trabalho de alguma fulana invejosa. Ficava dia e noite andando pela casa a fora, nervosa, desconexa e com a cabeça bagunçada. Até que o marido, curado do processo infeccioso, garantido pelos resultados que fez na cidade vizinha, resolveu de tentar um carinho na patroa. E não foi que ela, na mesma horinha, pegou de melhorar da cabeça e  danou de chorar de dor de dente até amanhecer o dia?

É isto aí!

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