Tomou um café frio que estava no bule sobre a mesa, engoliu um pedaço de pão seco e sem gosto, limpou a boca com a mão direita, olhou mais uma vez para o relógio digital na parede e suspirou fundo. Saiu sob uma chuva intensa, guarda-chuva imenso mas pouco resolutivo perante a ventania que espalhava as águas. Desceu a ladeira escorregadia até chegar na praça da prefeitura, dali em diante o coração iria ter que aguentar.
Atravessou a praça, dobrou à esquerda no rumo da Matriz onde, ao passar, ignorou pela primeira vez o costumaz sinal da sua fé. Abaixou a cabeça e travou os pensamentos para que os céus não escutassem o que queria dizer. Não que rompera com a divindade universal, mas achou no direito de sentir-se traído pelas preces não atendidas.
A rua dali em diante ficava triste, com pessoas tristes nas janelas, calçada e paralelepípedos estupidamente tristes. Detestava aquele caminho, apesar de saber que um dia o faria como exatamente agora, num ritual dolorido, no qual portava seu corpo esquálido como féretro da sua consciência.
Chegou ao destino sem palavras, e de súbito vieram as lágrimas. Sentiu a culpa de não ter feito tudo que podia. Cumpriu todas as orientações das autoridades, comprou medicamentos totalmente ineficazes, acreditou que tudo aquilo passaria de forma lépida, sem maiores percalços a açoitar a vida.
Naquela manhã despediu-se de três pessoas lacradas dentro de urnas, uma a uma sendo depositada sobre a outra num movimento fúnebre, horroroso e pavoroso. Ninguém, mas ninguém no mundo suportaria toda a sua dor. Viu baixarem de forma impessoal corpos ocultos sob aquelas caixas lacradas que ali demarcam o real momento de despedida.
Tudo que acreditava estava sendo enterrado, sentiu que desabaram todas as crenças que foram sendo construídas. Desejou nunca ter acreditado em pessoas tão más, porém agora, mesmo sabendo o quão indiferentes e cruéis são estas personalidades, tinha a certeza de que entrara um novo mundo, com duas crianças pequenas e uma solidão amarga.
É isto aí!
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