sexta-feira, 23 de julho de 2021

Inconcebível (Vittorio Medioli - OTEMPO)



Editorial: Publicado em 18/07/21 - OTEMPO
Fotografia: Dida Sampaio/AE

Se perguntar nas ruas se alguém concorda em atribuir R$ 5,7 bilhões aos partidos para custear suas campanhas, é provável que não se encontre um cidadão, entre os primeiros cem questionados, disposto a dar seu apoio.

Matérias legais tão importantes quanto o financiamento público dos partidos políticos e, mais ainda, do fundo de financiamento eleitoral (que a cada dois anos transfere alguns bilhões de reais para parlamentares e figuras políticas) nunca poderiam ser decididas pelos mesmos parlamentares interessados, como vem acontecendo. Apesar de os próprios constituintes, em 1988, terem tangenciado a proibição de “legislar em causa própria” – uma afronta aos alicerces da democracia –, preferiram limitar aos termos de uso de “impessoalidade” e “moralidade” as ações dos legisladores e de qualquer agente público.

O princípio da impessoalidade é de contornos vagos e sombreados; estabelece uma atitude de imparcialidade na defesa do interesse público, impedindo discriminações e privilégios indevidamente dispensados a particulares no exercício da função administrativa ou ao próprio legislador. Indiscutível, portanto, o dever de coibir a prática de atos que visem a atingir fins pessoais. Mais ainda quando em contraste frontal com o pensamento explícito da opinião pública.

Se perguntar nas ruas se alguém concorda em atribuir R$ 5,7 bilhões aos partidos para custear suas campanhas, é provável que não se encontre um cidadão, entre os primeiros cem questionados, disposto a dar seu apoio. A medida é repulsiva.

Quem paga a conta disso é a população, por meio de impostos, destacados ou embutidos, na compra do que lhe serve para sobreviver. Paga, assim, com privações para beneficiar principalmente o legislador que se atribuiu o Fundo Eleitoral.

O valor de R$ 5,7 bilhões representa uma dezena de milhões para cada um dos congressistas, concedendo-lhe a decisão de direcionar e gastar em favor da sua reeleição. E, ainda, com a disponibilidade de mais R$ 1 bilhão em repasse anual ao partido, somando em 2022 R$ 6,7 bilhões que sairão dos cofres públicos.

Nesse caso gritante de pessoalidade e direcionamento, deveria ser a população a referendar a decisão, como ocorre em países moralmente “evoluídos”. Como também o referendo deveria abranger a remuneração, as vantagens e as verbas indenizatórias dos parlamentares.

As decisões no Congresso se dão na calada da noite, sem coerência com parâmetros plausíveis, de regra em frontal divergência com o pensamento popular.

O que foi aprovado na última semana (R$ 5,7 bilhões de verba para o Fundo Eleitoral dos partidos) se choca com um país onde as privações fustigam mais de 50 milhões de indivíduos mergulhados abaixo da linha da pobreza.

Os 584 congressistas (apesar de 51 senadores continuarem com mandato) terão, assim, cerca de R$ 10 milhões cada um para custear a reeleição, além de outros R$ 2 milhões per capita da cota anual do Fundo Partidário.

Absurdo, pois o princípio constitucional da impessoalidade estabelece o dever de imparcialidade na defesa do interesse público, impedindo discriminações e privilégios indevidamente dispensados aos agentes no exercício da função administrativa. Existe nesse termo o imperativo de coibir a prática de atos que visem atingir fins pessoais, impondo-se a observância das finalidades públicas e dos interesses difusos.

Dever-se-ia recorrer nesses casos ao plebiscito, que é convocado com anterioridade a ato legislativo ou administrativo, cabendo ao povo, pelo voto, aprovar ou denegar o que lhe tenha sido submetido. Ou ainda o “referendo”, que é convocado com posterioridade ao ato legislativo ou administrativo, cumprindo ao povo a respectiva ratificação ou rejeição.

De qualquer forma, não poderia a decisão em causa própria prosperar antes do pronunciamento da população convocada a escolher ou ratificar.

O que agrava neste momento a decisão dos parlamentares é a exorbitância dos valores, já que nas eleições de 2018, primeiro ano em que vigorou o insano Fundo Eleitoral (também não referendado), o valor foi de R$ 1,71 bilhão, quando o salário mínimo era de R$ 937. Ou seja, o fundo correspondeu a 1,83 milhão de salários. Estarrecedor que em apenas quatro anos, com o salário mínimo de 2021 em R$ 1.100, os parlamentares tenham elevado o fundo para 5,18 milhões de salários mínimos, decretando para si um aumento real de 332%. No mesmo período o salário mínimo registrou uma evolução de apenas 17%.

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