quinta-feira, 8 de julho de 2021

A moça do vestido godê rodado


 
Foi acordando e telefonou logo cedo para agendar um horário com a dentista. Ninguém atendeu. Achou aquilo estranho, mas poderia ser coincidência. Era a terceira ou quarta vez que ligava e ninguém atendia. Será que ela me abandonou? Estranho, muito estranho, nos vimos semana passada, nos demos um ao outro a permissão de sentirmos nossos desejos interpessoais e agora isto.

Voltou a dormir e no sonho a encontrou num café, destes com mesas na calçada. Conversavam carícias, carinhos, contos de calor humano e tantas outras coisas que se conversa com uma dentista. Surgiu então uma moça muito bonita, num vestido godê rodado, parou à sua frente e fez a pergunta difícil - olá, você se lembra de mim?

Olhou para a moça, ficou encantado com sua beleza, mas de repente reconheceu nela uma senhora de 90 anos, depois olhou com atenção e surgiu uma mulher com cerca de 50 anos e só então retornou à moça do vestido godê rodado. Ao virar o rosto para a dentista, ela havia desaparecido. Procurou-a com os olhos e voltou à moça, que já não se encontrava mais ali. 

Colocou a mão direita na testa, fechou os olhos e tentou entender o que estava acontecendo. Ao abrir estava sentado na beira da cama, num quarto que desconhecia. O telefone, daqueles modelos antigos de mesa, toca. Atende e era a dentista confirmando o horário. Sorriu, suspirou aliviado e foi tomar um banho.

Ao abrir a porta do banheiro, deparou com a moça do vestido godê rodado, em pé, escovando os dentes. Olhou-a com ares de indagação, recuou, fechou a porta e ao dar o primeiro passo, percebeu-se nu em plena Avenida Rio Branco, na altura da Halfeld, no centro da pequena  e pacata Juiz de Fora, simpática vila do interior mineiro. Reconheceu a esquina e olhou para onde deveria existir o painel "Cavalinhos", de Portinari, e lá havia o desenho da moça de vestido godê rodado. 

Uma delicada mão feminina tocou no seu ombro e disse algo suave. Virou-se assustado e agora estava num imenso sofá, sendo acordado pela dentista. Abraçou-a e se pôs a chorar até a exaustão do choro. Levantou-se, recompôs a mente, os pensamentos, tomou um banho e saiu. Na rua deu-se conta que não sabia onde estava, tentou retornar ao prédio, mas não havia nenhum prédio. Em pânico, sentou-se no meio fio e uma mão suave tocou-lhe o ombro. Era a moça do vestido godê rodado. 

Está preparado? - perguntou a moça.

Acho que sim, respondeu.

Deram-se as mãos, tomaram uma distância da rua até encostarem numa parede, olhando-o com carinho, ela  perguntou - pronto?

Pronto.

Correram na direção da rua, saltaram do meio fio e mergulharam no infinito. 

Quando voltou a si, na cadeira do consultório, a dentista, sorrindo com os olhos, perguntou - está tudo bem?


É isto aí!


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