- Senhor José Jota Silva? É o senhor mesmo?
- Sim, sou eu mesmo.
- Só por curiosidade, o Jota é abreviatura?
- Não, foi ignorância do menino que fazia o horário de almoço do escrivão, segundo meu pai seria Cota, da minha mãe, mas o iletrado colocou Jota e disse que não poderia rasurar. Aí ficou isto.
- O senhor chegou bem? Está se sentindo melhor?
- Olha só, eu não estou entendendo nada. Acordei hoje de manhã, tomei um café raleado, pois o pó estava acabando e faltou o açúcar. Aí lembrei que tinha que comprar o gás para devolver ao vizinho que me emprestou mês passado. Mas aí lembrei que não devolvi o gás por causa de que eu devia dois meses de aluguel e antes de vencer o terceiro, que dá despejo, paguei um atrasado e deixei na pendência a padaria, o açougue e o sacolão, mas isto dá para contornar, por que o difícil mesmo é a farmácia.
- Então o senhor tem pendências?
- É, saí de casa com a cabeça quente, a patroa falando sem parar, os meninos chorando, daí resolvi dar uma volta, descontrair um pouco na casa da Zefa.
- Zefa? Interessante, quem é Zefa? Não tenho este nome nos registros.
- A Zefa é minha comadre. O nome dela mesmo é Deolinda, mas tem este apelido da infância e foi ficando.
- Humm, Deolinda, prossiga então.
- Zefa é meu amor de juventude, mas deu que casei precipitado com a patroa, e em pouco tempo vi a besteira que fiz, mas aí não tinha como ir nem como voltar, pois ela já tinha se arrumado com um caboclinho porqueira, mas aí as coisas entre nós foram indo foram indo, até que nós nos ajeitamos quando ela pegou birra das malandragens do safado, mas não é nada demais, gostamos de conversar.
- Pode continuar.
- O senhor é da polícia? Isto é depoimento, oitiva, ou coisa parecida?
- Não, é apenas formalidade. O senhor lembra como chegou aqui?
- Então, como já lá ia dizendo, saí de casa com a cabeça quente, e ao atravessar a avenida, ouvi um som estranho, não sei definir e de repente estava num túnel muito iluminado, com um coral cantando uma música linda. Tinha um homem do meu lado, alto, muito educado, que foi me conduzindo até uma praça bem cuidada. Ai vieram umas dez pessoas me abraçar, falando que estavam muito felizes com minha chegada, mas apesar de serem todos simpáticos, não conhecia nenhum deles e nenhuma delas. Tinha umas duas bem bonitinhas, destas de não se enjeitar, mas não sabia quem eram aquelas pessoas.
- Sério, não conhecia nenhuma delas?
- Achei estranho ficarem me chamando de Jota, já que durante toda a minha vida foi Zé Viola. Também ficaram assim meio ressabiados, aí o moço que estava comigo me trouxe até aqui. Falando nisso, aqui é onde?
- Isto aqui é a Central de Achados e Perdidos no Céu, conhecida como CAP-C. Estamos no céu, o senhor até consta na lista, mas ocorreu um engano aí, não é para o senhor estar aqui hoje; ainda demora uns anos. Vai ter que voltar.
- Voltar? Quero não, não quero, de jeito nenhum, de forma alguma, exijo meus direitos, quero falar com o chefe, com o santo do dia, com o anjo da guarda, chama lá os arcanjos, chama a Sagrada Família, chama São Pedro, São Paulo, São Benedito e fui ficando possesso do bem, claro, e enquanto debatia deu uma raiva de voltar e aquilo atacou os nervos, os nervos atacaram a língua e aí desandei a falar até de coisa que nem sabia. Foi então que ouvi aquele som estranho de novo e acordei sessenta dias depois num leito de hospital. Olhei para o lado e vi a Zefa. Sabe, Zefa parecia um anjo cuidando de mim.
É isto aí!
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