segunda-feira, 2 de janeiro de 2023

Um sujeito estranho

Egon Schiele*

Acordei com certo grau de dificuldade, de maneira que sentia uma enorme estranheza em mim. Aquilo ainda seria uma experiência inolvidável, já que a noite foi na sua totalidade estranha, os sonhos um mais estranho que o outro, e agora estava ali cansado e estranhamente diferente, como se as vicissitudes dos sonhos ancorassem minha nau vital. 

Olhei para ela, cândida, linda e elegantemente nua sob uma camisola de manga longa com detalhes em tule no punho, recortes preenchidos por renda ao longo da manga, e o decote possuindo renda com aplicação de laços que faziam seus seios ficarem ainda mais sensuais.

Enquanto a admirava, abriu seus olhos amendoados, esboçou um forçado sorriso, afastou o corpo até o limite da cama e murmurou que eu estava com um olhar muito muito muito estranho. Aquilo badalou feito um sino de bronze de 20 toneladas no espaço entre meus dois ouvidos internos e a alma. Senti uma fúria descontrolada, vi meu corpo transformando-se num enorme ofídio e ao abrir a boca a devorei num bote único, por inteiro, então voltei a dormir para a contemplação da ingesta.

Enquanto dormia, a vi andando dentro de mim, tateando meu interior em busca de uma saída. Aquilo sim foi muito estranho. Meus órgãos eram aposentos imensos, de estilo oriental indiano e ela adorava a tudo que via, inclusive o enorme Buda esculpido em pedra sabão, voltado para o coração. Calmamente perguntou-me o que aquela imagem de 35 metros de altura, possuindo uma cor verde com tons de rosa e dourado, numa mistura suave e contemplativa, fazia ali, entre os dois pulmões, com a face voltada para a contemplação do chacra cardíaco.

Respondi que aquele Buda corresponde ao elemento ar, daí estar entre os pulmões, e sua função principal é metabolizar a energia do amor. O poder pessoal de amar e ser amado é despertado pelo e no chacra do coração, além de ser o mediador entre o corpo e o espírito, sendo, pois, a porta da alma ou da morada da alma, como queira.

Ela olhou para o Buda, voltou seus olhos amendoados para mim, e ficou repetindo o movimento pelo menos uma sete vezes. Sabe, disse em tom inquisitivo,  eu sempre achei você meio estranho, mas hoje, olha, eu tenho certeza - você é muito estranho.

Aquilo novamente acendeu uma trama dentro do meu interior inconsciente, senti ascender em mim um calor violento em erupção e comecei a contorcer, urrando de dor e prazer, num misto de loucura e orgasmo enquanto a expulsava para fora do meu sistema digestório. Imediatamente voltei a dormir. Ao acordar estava só. 

Levantei vagarosamente; já passava das quinze horas. Passei pelo imenso espelho do quarto, olhei-me e disse - rapaz, como você é realmente um sujeito estranho, daí ouvi um zunido agudo, fui sugado para outra dimensão através do espelho e abduzido por uma nave sideral de onde voltei amanhã para relatar isto para vocês.

*Autor da imagem: Egon Schiele (wikipédia)
(pintor austríaco 1890/1918)
**Sobre o quadro: Ficheiro Wikipédia 
[[Imagem:Egon Schiele 078.jpg|thumb|180px|Legenda]]

É isto aí!

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