Quando o Itamaraty foi invadido, no dia 20 de Junho, nesta onda de saques, ataques e manifestações livres, pensou-se em tudo, mas o que foi revelado provocou um enorme mal estar na trupe da Rede Marina. Um dos principais diretores do novo partido que está tendo parto lento e doloroso, liderou a invasão depredatória. Pego no flagra, publicou uma resposta no mínimo interessante, onde afirma que não cometeu nenhum crime, mas apenas usou a barra de ferro contra as estruturas.
A questão é: Se as Câmeras de Segurança não o tivessem flagrado, viria a público pedir perdão pelos seus atos?
Abaixo, na íntegra, a defesa do cidadão:
Não cometi crime
20 de junho deste ano, uma quinta-feira, dia da maior das
manifestações acontecidas em Brasília, dentro do ciclo de protestos de rua
naquele período, em todo o país. Três dias antes houvera outra, aquela na qual
os manifestantes subiram nas cúpulas do Congresso. Participei das duas. Na do
dia 20, com mais de 60 mil pessoas tomando a Esplanada, havia um contingente
policial muito maior e mais agressivo, com a presença da tropa de choque. Ao
contrário da anterior, a estratégia repressiva era de impedir a qualquer custo
que as pessoas novamente subissem sobre o Congresso ou passassem para a praça
dos Três Poderes, onde fica o Palácio do Planalto.
Primeiro foi o uso do spray de pimenta, em seguida muitas
bombas de gás lacrimogêneo e de efeito moral para todos os lados. A tensão foi
num crescendo e o único lugar que parecia mais desguarnecido de tropas era o
Palácio do Itamaraty, para onde a PM praticamente empurrou uma parte dos
manifestantes, ao continuar a jogar bombas sobre o gramado diante do Congresso.
O ar estava tomado de gás, os olhos ardiam. Tirei a camiseta e coloquei no
rosto para me proteger. E também corri para o lado do Itamaraty.
Esse foi o contexto de um dia no qual cometi muitos erros,
mas só pude ter plena consciência deles retrospectivamente. O primeiro foi usar
na manifestação a camiseta da Rede Sustentabilidade, que eu vestia porque vinha
de uma atividade de coleta de assinaturas para a formação do partido. Havia
entre nós uma avaliação de que a Rede deveria, como instituição, manter-se
afastada das ruas, para evitar qualquer acusação equivocada (ou manipulada) de
que queríamos nos aproveitar dos protestos, uma vez que, de várias maneiras,
eles se identificavam muito com nossa trajetória e preocupações. Ficara
acertado que os membros da Rede que quisessem participar deveriam fazê-lo como
cidadãos, em caráter individual. No dia 20, eu me orgulhava ingenuamente de
estar com a camiseta, mas em nenhum momento me passou pela cabeça o que estava
por vir e que poderia ser danoso à Rede, algo sob medida para ser explorado por
pessoas de má-fé.
Participo de movimentos sociais e manifestações locais desde
que entrei na UnB, em 2006. Também participei das manifestações na Rio+20, na
Cúpula dos Povos e outras em prol de direitos humanos e do meio ambiente. Mas
nunca havia participado de protestos do porte e do alcance temático e político
dos que ocorreram no mês de junho no Brasil e em Brasília. E nunca de nenhum
que atraisse um aparato policial tão grande e violento como no dia 20.
A manifestação do dia 17 ocorrera sem depredações ou
violência, principalmente porque a PM não reagiu ao acesso de manifestantes ao
teto do Congresso. Fiquei extasiado, pois há muito tempo não se via, no Brasil,
um fenômeno deste tipo, em que a população saía às ruas em peso clamando por
causas que iam de melhores serviços públicos até a refundação da política.
No dia 20, o clima foi totalmente outro. Já começara com a
declaração de confronto de autoridades policiais, segundo as quais todas as
pessoas que descessem na Rodoviária seriam revistadas. A tensão aumentava na medida
em que, a cada movimento da massa de manifestantes em direção ao Congresso ou
aos acessos à praça dos Três Poderes, a polícia reagia violentamente. Até o
momento em que nova investida da PM provocou uma certa reação de pânico e uma
parte dos manifestantes foi em direção ao Itamaraty. Fui junto. Sem nenhuma
intenção de depredar nada, mas tomado de raiva e sob intensa pressão.
Quando cheguei ao corredor estreito que dá entrada para o
prédio, já havia ali muitas pessoas concentradas e começava o quebra-quebra.
Vários manifestantes jogavam diferentes objetos contra as vidraças. Vi uma
barra de ferro no chão e a agarrei, inicialmente com a intenção de me defender,
caso as coisas piorassem por ali. Depois, com as emoções à flor da pele, a
pressionei algumas vezes contra diferentes pontos de uma estrutura também de
ferro do próprio prédio e em seguida a joguei. Não quebrei nada!
Fiquei ali por mais alguns minutos e retornei ao gramado da
Esplanada, onde fui atingido na perna por uma bomba atirada pela polícia, que
deixou um edema de uns 15 cms e uma cicatriz que ainda tenho. Quando cheguei em
casa, mais calmo, tive a clara percepção de ter errado, mas fiquei aliviado por
não ter, afinal, causado nenhum dano a um prédio público e, além disso, tombado
como patrimônio nacional.
Quando a polícia começou a procurar os participantes do
quebra-quebra, fui identificado em fotos nas quais estava com a barra de ferro
nas mãos, mas em nenhuma delas estou quebrando nada.
No dia 24 de julho, por volta das 15 horas, enquanto
trabalhava no processamento de documentos na sede da Rede em Brasília, fui
chamado para fora da sala por uma mulher e um homem que se apresentaram como
sendo da Polícia Civil. Disseram que eu deveria acompanhá-los para prestar um
depoimento sobre as manifestações no Itamaraty. Pedi para ir no final da tarde,
quando terminasse meu trabalho. Responderam que era melhor ir naquele momento
para “evitar constrangimentos”. No caminho perguntei se não deveria chamar um
advogado e me disseram que seria desnecessário.
Fui conduzido à 5ª Delegacia da Polícia Civil, onde falei
com o delegado encarregado de investigações extraordinárias. Eu estava bastante
tenso, já que nunca estive numa situação semelhante. Depois descobri que eu
deveria ter ido apenas com uma intimação formal e acompanhado de advogado.
O delegado me inquiriu com uma câmera gravando. Perguntei
mais uma vez se não precisaria de presença de um advogado e ele me reiterou que
não. Disse que fazia parte de uma policia republicana e que a relação entre nós
ali seria de confiança e que seria honesto comigo, esperando reciprocidade.
Relatei fielmente, respondendo a suas perguntas, o que fui fazer na
manifestação, a que horas cheguei, o percurso da manifestação e o meu.
Mostrou-me fotos das ações no Itamaraty e admiti que estava lá e que escondia o
rosto.
Após a inquirição, o delegado informou que o processo
seguiria para a Polícia Federal, onde seria produzido um inquérito a ser
enviado ao Ministério Público, que decidiria pela abertura, ou não, de processo
judicial. Depois disso, assinei um termo de depoimento após ser mais uma vez
ouvido por outro delegado. Declarei ainda qual era meu estado emocional e que
não ocasionei nenhuma depredação ao prédio do Itamaraty. Finalmente, que agi
por vontade própria, não tendo sido levado ou orientado a nada, por nenhuma
pessoa ou organização.
Hoje vejo com clareza os excessos que cometi e o risco a que
submeti a Rede, de ser caluniada ou passar a ser objeto de insinuações de ter
algo a ver com os quebra-quebras durante as manifestações. Seria algo
impensável, pois a linha política da Rede vai em outra direção, sem nenhuma
afinidade com soluções violentas, venham de que lado vierem. Estou arrependido,
errei politicamente, mas em nenhum momento cometi crime.
O que me resta é dizer a verdade, como estou fazendo aqui, e
reconhecer meus atos. Peço desculpas sinceras a todos os companheiros e
companheiras da Rede. Reafirmo que continuarei sendo um “enredado” convicto,
persistente e esperançoso.
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