Naquela tarde pachorrenta, abafada e quente, ela entrou na sala de espera do consultório. Não tive como evitar de observá-la, dentre vários motivos, pela beleza, pela elegância e pelo corpo. Encaminhou-se à recepcionista, sussurrou algo que só as mulheres são capazes de ouvir e interpretar. A atendente respondeu no mesmo tom. Olhou-me com desdém em completo desalinho com minha querência.
Sentou na poltrona frontal, derivando na inevitabilidade de observá-la enquanto navegava no mundo virtual de seu enorme smartphone. Voltei ao meu livro - Admirável mundo novo, do Aldous Huxley, e enquanto traçava paralelos entre a ficção e a realidade nacional em tempo vigente, devorava-lhe em pensamentos bons, puros, castos e pueris, e ria da possibilidade dela preferir outros métodos que não os convencionais.
Quase duas horas sentados, os três, em silêncio tenso e tépido, ela levantou-se, foi novamente à mocinha da recepção, mais uma vez conversaram em código beta feminino de curto alcance. Desta vez o assunto requeria réplicas e tréplicas das partes. Sem olhar para mim, partiu ao desconhecido, em movimentos cadenciados, harmoniosos, felina e sensual. O rastro de seu cheiro transtornou minha paz.
A atendente desapareceu e ouço um toque de celular insistente. Percebo que está na poltrona da deusa. Aproximo, toco com cuidado como fosse extensão da sua pele. Resolvo atender para informar a alguém que a conhece que estou com seu aparelho. Para minha surpresa era o marido, que imediatamente veio ao consultório, me encheu de porrada. Naquela tarde finalmente entendi que não devo me envolver em casos onde não tenho nada com isto.
É isto aí!
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