- Olha doutor, tem problema se eu ficar em pé, próximo à porta? Pode ser que chegue alguém.
- Se sentir que esta é a melhor opção, por mim tudo bem, mas se chegar alguém, tocará a campainha.
- Mas aí escutará a nossa conversa.
- Pouco provável. Esta porta e este ambiente não permitem passagem de som.
- Neste caso, pensando bem, vou sentar nesta cadeira do canto, que está na penumbra. Humm, posso deitar no divã?
- Claro ... certo ... agora, o que o trás aqui?
- É a Graça Flávia, doutor, ela é a razão de estar aqui.
- Ela é sua esposa?
- Não, que isto? Não, claro que não! Minha esposa é uma santa, doutor, Ela se chama Ana Débora, e eu a chamo de Dedé. Ela é uma anjo celestial, tímida, calada, bela, recatada e do lar.
E a Graça Flávia?
- Pois é!!! Ela é satanás puro, personificado num corpo de mulher.
- E qual a sua relação com esta moça?
- Sedução em terceiro grau. A mulher é altamente carbonária como um vulcão em erupção.
- Explique melhor o que vem a ser uma sedução de terceiro grau.
- Tal qual uma queimadura, numa sedução de terceiro grau ocorre destruição total de todas as camadas da consciência, da ética, da moral e os sentimentos ficam esbranquiçados, nublados, com as bordas da racionalidade e da moral escuras. A dor é mínima pois a mulher que detém este poder de sedução o faz com tamanha expertise, atingindo camadas tão profundas do cérebro, que só danifica as terminações nervosas dos limites e das percepções do que é certo e correto na vida.
- E o que é certo e correto na vida?
- Não sei mais. Não sei mais ...
- Comece pelo começo. Como ela entrou na sua vida.
- Bem. Isto tudo é confidencial?
- Sim, claro.
- Bem, ela é irmã da minha esposa.
- Sua cunhada, então!
- Isto. Eu não achava nenhuma graça nela. Afinal ela detestava livros, estudos, ciências, política, artes e música clássica; tinha um corpo grande e sem cuidados, era desagradável com as palavras, áspera com os pobres e necessitados. Tratava mal os subalternos, os humildes e as pessoas que considerava marginais à sua óptica mundana.
- Mas algo o despertou.
- Sim, havia algo nos seus olhos que me fascinara desde a primeira vez que se encontraram com os meus, quando ainda namorava com a sua irmã. Ela já era casada nesta época. Na realidade ela é dez anos mais velha do que eu.
- Fui sendo seduzido aos poucos, com a visão incandescente daquelas coxas que achava estarem sempre estrategicamente à mostra. Também sentia que lançava olhares longos aos meus olhos. Tinha a sensação de que seus abraços ficavam cada vez mais fortes e sobretudo depois do advento de um beijo roubado.
- Pode detalhar melhor este beijo roubado?
- Bem, tecnicamente não foi um beijo e sequer foi roubado. Foi lépido, somente pelo toque dos lábios, numa despedida. Aquilo fez nascer em mim um movimento abrasivo.
- Sentimento abrasador por um toque de lábios?
- O senhor entendeu tudo errado. Não disse abrasador - eu falei que foi um movimento abrasivo, que originou a sedução de terceiro grau.
- Interessante. Prossiga.
- Então, cego de paixão e movido pela satiríase crescente, encontrei-a em determinado evento social, e excitado pelo nosso beijo, determinado pela sedução do seu decote, procurei uma oportunidade até certificar-me de que ficasse sozinha. Foi quando entrou no lavabo - cheguei furtivamente por trás, puxei-a bruscamente pelo braço, dei-lhe um beijo escandalosamente desejado.
- Sério isto? Você a beijou à força?
Sim e não. Ela também queria e logo correspondeu graciosamente, porém, subitamente, com imensa violência projetou um joelhaço ascendente com força até então desconhecida por mim, seguida por um tapa feroz, estalado e ardente - empurrou-me asperamente na parede oposta, atravessou o pequeno lavabo com um passo largo, travou meus testículos fortemente com a mão direita, enquanto me mordia com fúria no nariz, até sair lágrima dos meus olhos e dobrar os joelhos enquanto via sua boca com meu sangue a espraiar pelos seus lábios carnudos. Muito sensual!
- Sensual? O que mais poderia esperar? Você é casado com a irmã dela, o que esperava que acontecesse?
- Não sei exatamente o que esperava. Mas aí aconteceu o imponderável. Ela pegou minhas orelhas e cabelo, e subiu minha cabeça esfregando meu rosto em suas coxas, cortando o rosto no strass ...
- Strass? O que é isto?
- São aquelas pedrinhas brilhantes que as mulheres colam em tudo, unhas, roupa, sapatos, etc.
- Interessante. Pode prosseguir, desculpe a interrupção.
- Não tem problema. Neste ponto aconteceu uma coisa doida, sabe, uma maluquice. O vestido dela tinha uma abertura frontal, e meus lábios tocavam hora o veludo das suas coxas, hora a aspereza do strass e aquilo me deixava excitadíssimo.
- Excitadíssimo?
- Sim, mas a loucura não cessou aí. Ela continuou puxando meus cabelos e orelhas até chegar ao seu colo, onde manteve o movimento pendular a ponto de cortar meu rosto com um broche que sustentava o decote, que uma vez rompido deixou seus seios à mostra, por onde toquei os lábios, a língua e também deixei meu sangue como uma comunhão do nosso amor.
- Este amor ... depois falaremos mais sobre ele. Vamos nos ater ao drama.
- Só pontuando que aquilo não era um drama, era sexo puro, selvagem, único. Então ela trouxe minha boca à sua, beijou-me voluptuosamente e no ardor da loucura mordeu minha língua. Tornou a repetir o joelhaço e saiu enquanto eu sentia o sangue correr da boca.
É por esta mulher que você está apaixonado?
- Não tenho controle sobre meus sentimentos. Naquela hora, ali, prostrado e abatido, procurei a saída pela porta dos fundos da casa para não dar de cara com a cunhado que cruzara a sala procurando-a. Sai para não estremecer laços - pensei. Estava condenado pela louca paixão à esposa deste, que fizera de mim um escravo das suas vontades - permissiva e depravada. Enfim, aprisionara o homem que habita no meu outro lado da razão em suas secretas vontades narcísicas.
- E como explicou seus hematomas e escoriações à sua esposa?
- Humm, então - não expliquei, quer dizer, assenti a uma explicação da polícia a ela.
- Polícia? Quem chamou a polícia?
- Não lembro, deve ter sido o hospital.
- Você foi ao hospital? Como?
- Não sei. saí da casa em delírio luxuriante e ao chegar no carro ouvi um barulho, um estalo, sei lá, um baque. Acordei no hospital.
- E a cunhada? Como se deu o dia seguinte?
- Ela nem esperou o dia seguinte. Acordei no hospital com ela ao meu lado, com a mão segurando, afagando e apertando a minha mão, ainda meio sedado, meio enebriado e minha excitação ao vê-la foi tamanha que ela percebeu o processo, balançou a cabeça e deu um leve e malicioso sorriso.
- Quanto tempo tem isto?
- Dois meses, doze dias e 18 horas.
- E a sua volta á rotina, à esposa, como foi?
- Um tédio, doutor, um enorme, vazio e destruidor tédio ... espero ardentemente por outra oportunidade para tê-la a sós comigo ...
- Semana que vem, no mesmo horário, certo?
- Certo. Poderei trazer uma pessoa para participar da conversa, doutor?
- isto não é comum, mas quem seria esta pessoa?
- Mamãe. Ela vai me matar, esfolar, triturar e ferver meu corpo residual se não vier comigo ...
É isto aí!
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