terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Ausência (Vinícius de Moraes)

*Publicado no Rio de Janeiro em 1935


Fonte do Vídeo: Mundo dos Poemas

Eu deixarei que morra em mim
o desejo de amar os teus olhos
que são doces
Porque nada te poderei dar
senão a mágoa
de me veres eternamente exausto.

No entanto a tua presença
é qualquer coisa
como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto
existe o teu gesto
e em minha voz a tua voz.

Não te quero ter
porque em meu ser
tudo estaria terminado.

Quero só que surjas em mim
como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar
uma gota de orvalho
desta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne
como uma nódoa do passado.

Eu deixarei ...
tu irás e encostarás a tua face em outra face.
Teus dedos enlaçarão outros dedos
e tu desabrocharás para a madrugada.

Mas tu não saberás
que quem te colheu fui eu,
porque eu fui o grande íntimo da noite.

Porque eu encostei minha face
na face da noite
e ouvi a tua fala amorosa.

Porque meus dedos
enlaçaram os dedos da névoa
suspensos no espaço.

E eu trouxe até mim
a misteriosa essência
do teu abandono desordenado.

Eu ficarei só
como os veleiros
nos portos silenciosos.

Mas eu te possuirei
mais que ninguém
porque poderei partir.

E todas as lamentações do mar,
do vento, do céu, das aves, das estrelas
serão a tua voz presente,
a tua voz ausente, a tua voz serenizada.

Vinicius de Moraes

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