sexta-feira, 27 de abril de 2018

Tenha fé, o que é seu, é seu.

Era representante comercial, e começou a se engraçar com uma moça lindinha de uma pequena comunidade afastada dos vícios da civilização. Começou a traçar sua rota com a necessidade de passar naquela Vila, só para olhar para a moça, a qual não sabia nome, idade, escolaridade, estado civil, nada de nada de nada.

Acordou com uma água gelada no rosto e uma voz gritou - corre ... corre. Levantou-se sem entender nada e uma vez em movimento, tentava lembrar de como aquilo aconteceu. A cabeça latejava violentamente, e o instinto de sobrevivência agora o colocava em rota de fuga sem raciocinar direito.

Passou acelerado por um beco sem ao menos perceber que estava nu. A velocidade, o pensamento, o medo, o susto, a adrenalina liberada, tudo junto e misturado foi combustível mais do que suficiente para chegar na rua de baixo, mal iluminada, noite avançando e parecia ouvir passos apressados e cachorros latindo no seu encalço.

Entrou numa casa cuja luz fraca ainda estava acesa, e sem pensar, sem requerer um aviso prévio de perigo, testou a porta, que estava aberta, e entrou como um felino, fechou-a, varreu o ambiente com os olhos, confuso, cansado e sentindo frio, viu uma colcha sobre a cama do pequeno quarto, cobriu-se da maneira que deu para se sentir seguro. A colcha era velha, bem lavada com cheiro de mato e surrada. Sentou no sofá desgastado, com molas aparentes e uma manta a disfarçar seu uso. Ficou ali pensando ... pensando ... e dormiu.

Despertou com o sol direto no rosto, ainda confuso e contra a luz ofuscante percebeu uma silhueta com as mãos na cintura, em total silêncio. A pessoa deu dois passos para trás e puxou a cortina. Aí pode perceber que era uma morena, vestido de algodão branco, muito bonita, a fitá-lo com ar de curiosidade. Teve medo, a voz não saia, poderia explicar tudo, mas não conseguia fazê-lo.

Ela fez sinal com a mão para segui-la. Levou-o até o banheiro, simples e limpo, colocou uma toalha, também limpa, cheirosa, velha e surrada nas suas costas, junto com uma roupa que aparentemente servia. Confuso, entrou e só aí percebeu que estava sujo, com barro sobre o corpo cheio de hematomas, lavou-se, vestiu-se, e mais calmo saiu para entender a situação. e se explicar.

Viu a casinha simples, de madeira, móveis toscos, mas tudo limpo, o fogão de lenha sem fuligem. Foi admirando a casa rude e acolhedora, as gravuras, os tapetinhos, as plantas, enquanto ela o aguardava numa mesa de café, convidativa, familiar, onde havia broa de milho, café, leite e biscoito de polvilho.

- Eu ... eu ... eu ... posso ...

- Não precisa explicar nada.

- Não, é que eu ... eu ...

- Eu sei quem você é e sei o que aconteceu.

- Sabe?

- Sei. 

- E pode me dizer?

- Você se engraçou por Deolinda, filha de Quinca Matador, capitão-do-mato do Doutor Fulano, homem mal, corrupto e safado da capital. Ocorre que Deolinda estava prometida para Nicanor, filho de um outro homem mal da capital federal. Nicanor é destes rapazinhos delicados, com calças apertadas, camisas de babado, fala mansinho, fininho e anda gingando em bando com mais dois rapazinhos diferentes, fortes, musculosos, sabe? Deolinda estava prometida e negociada em casamento a ele para estas coisas aí que eles fazem lá na capital. 

- E como cheguei aqui?

- Você parou na venda, e claro, estava vindo muito aqui, o povo vai comentando, não é? Foi drogado na bebida e amarrado num toco, atrás da Igrejinha, para esperar o Quinca Matador chegar da cidade. Mas Juquinha, filho do Seu Juca da Farmácia, que foi quem arrumou o comprimido, te soltou, não por que você merecesse, mas por amor a Deolinda, que prometeu fugir com ele se você fosse solto.

- Puxa vida ... e eles fugiram?

- Sim, no seu carro, levando sua mala, sua carteira, seu dinheiro e tudo mais.

- Meu carro ... puxa vida. Mas então posso sair, já que achavam que eu estava rodando a moça e ela fugiu.

- Poder sair, pode, mas vai morrer. Quinca pensa que você foi quem articulou a fuga e está jurado de morte do mesmo jeito.

- Caramba ... mas e você? Por que me salvou? Qual o seu nome? Como cheguei aqui?

- Calma, uma coisa de cada vez. Não sei bem como chegou aqui, mas suspeito que foi Santo Antônio que te trouxe, já que eu fiz uma novena que encerrou ontem.

- Novena? Santo Antônio?

- Meu nome é Maralinda.

- Maralinda?

- Sou solteira, 21 anos, prendada, trabalhadeira, despojada, carinhosa e me acho bonita.

- Solteira? 21 anos? Prendada? Bonita?

- Vai repetindo tudo ou quer saber do resto?

- Bem, esta roupa que estou vestindo?

- É do meu falecido pai. Perdi ele faz três meses, mais ou menos.

- E sua mãe?

- Quando fiz quinze anos, ela fugiu com um moço que passou aqui e me deixou  mais meu pai assim, sem rumo, sem nada.

- Mas eu sou noivo.

- Não ligo.

- Eu tenho um filho de outro relacionamento.

- Cuido dele.

- Eu sou pobre.

- A gente se vira.

- Eu moro longe.

- Não tenho pressa. 

- Quer saber, Maralinda? Estou gostando do rumo dessa prosa ...

É isto aí!



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Gratidão!