Neguinha, eu amo você! Sim, sei, é uma frase fácil de dizer, mas cá entre nós, tem que ter uma coragem danada para assumir isto e confirmar e reconhecer com firmeza e cravar o testemunho e provar o que está falando e cantar aquela música daquele cara que canta daquele jeito que você adora e rebola magistralmente de uma maneira íntima, pessoal e solitária.
Neguinha, estou com saudade de muita coisa. Saudade da minha infância numa rua descalça e a vida eterna e vadia. Saudade dos seus olhos; saudade das suas mãos delicadas; saudades dos seus beijos; saudades das suas covinhas. Claro que tudo isto uma hora passa, mas tenho a inútil saudade de vinho quente barato com queijo frescal gelado e azeitona com caroço. Mas subo o tom com as saudades de beijar seu pescoço, sua nuca, sua boca.
Neguinha, dia destes, estacionado numa vaga de supermercado, uma mulher se aproximou de mim para pedir algo. Alta, elegante, mas simples no estar e existir. Ao chegar próxima da janela do carona, abri o vidro - entreolhamos, esbocei um sorriso, ela antecipou uma dúvida e perguntei - pois não, senhora? - Puxa vida, ela começou a chorar, ninguém mais me chamou de senhora desde que fui arrastada para as ruas.
Neguinha, queria você ali para me ajudar a entender o mundo dentro daquela dor plural. A dor do mundo estava naquela mulher. Dei um dinheiro a ela, que recusou. Ela se sentiu humana depois de tempos, foi reconhecida como uma senhora. Choramos na nossa impotência - ela em pé no vidro do carona e eu sentado ao volante. Naquele dia e naquela hora queria você ali para me ajudar.
Neguinha, duas semanas depois, passo por uma esquina e vejo aquela senhora desacordada pelas drogas, no chão, sem alguém para elevar seu estado de espírito. Senti uma dor terrível. Não sabia o que fazer, as pessoas passavam para lá e para cá, não tinham pedras nas mãos, mas as carregavam no desdém e no desprezo nítido. Quantas vezes nossa humanidade apenas deseja ser reconhecida como tal? Fiquei ali, parado e abalado, até que uma pessoa se aproximou a levou.
Neguinha, eu amo você! Sim, já disse isto, já escrevi isto, já falei sobre isto, já me olhei pelo avesso procurando a possibilidade de ser um engano, um erro cósmico, um desvio do universo, mas não encontro nada. Eu amo você, suas covinhas e sua existência. Nunca mais outra vez um agora tão difícil como este tempo de vírus letal e ao mesmo tempo instrumento de tortura física, mental, financeira e psicológica. Mas isto fica para outro dia.
É isto aí!
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