terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

Discutindo relação


- Promete para mim que você nunca vai morrer, promete, vai, não custa nada. Fala, confirma, ditas as palavras certas, serei eternamente grata e feliz.

- Mas, e eu?

- Como assim? A minha felicidade não preenche seu amplo espaço de questionamentos? Eu sou apenas uma mulher objeto?

- Não é isto.

- Então tem outras coisa que você não me contou?  É isso?

- Sabe, querida, esta sua fixação pelo solipsismo, esta sua concepção filosófica de que, além de nós, só existem as nossas experiências, é muito pequena diante do cosmos.

- Cosmos? Então você vê ordem, organização, beleza e harmonia nesta vastidão vazia, sem vida, estéril e infértil

- Não é isso. Não pode ser só isso. Você pode ser mais que isto que se limita a ser.  A vida não pode ser apenas o movimento da vida que você conhece. 

- Eu sei onde você quer chegar. Meu instinto feminino antecipa isto.

- Sabe mesmo? 

- Sim, na prática, sua crença define meu pensamento como uma forma de idealismo, que incorreria no egoísmo pragmático, que insurge pós proposição cartesiana "cogito, ergo sum"; ridiculamente traduzido pelos que a contestam, como "Penso, logo existo,"

- Querida, nem tanto céu, nem tanto mar. Saiba que o universo em todo o seu conjunto, toda a estrutura universal em sua totalidade, no esplendor da magnânima beleza de luzes e escuridão, pulsa desde o microcosmo ao macrocosmo.

- Pronto, está querendo catequisar a Mecânica Quântica agora, querido? Acha que basta recorrer a Hermes Trimegisto, no seu aforismo, sua máxima hermética no Caibalion  "O que está em cima é como o que está embaixo, e o que está embaixo é como o que está em cima."?

- Você está apelando.

- Adoro quando você faz esta face de estupefação, bem metafísica

- E como é uma face de estupefação metafísica?

- Os ombros expõem um sentimento de espanto, abrindo os dois flancos. Os olhos brilham com certa admiração, o semblante fica perplexo, sua voz átona e sua respiração rarefeita.

- Me beija

- Não

- Me beija, vai

- Não

- Sua, sua...

- Sim, sou sua! Agora pode me beijar. Mas antes, abra outra garrafa do vinho, que este acabou.


É isto aí!





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