Vestiu a roupa que estava na cadeira, passou a mão na barba, percebeu que dava para mais um dia, escovou rapidamente os dentes e desceu para a copa, onde beliscou um pedaço de pão e saiu rápido em direção à garagem. Entrou no carro e ao tentar ligar, percebeu que estava sem as chaves, todas, inclusive as do escritório. Voltou pela porta dos fundos, procurou na copa, na cozinha, na sala, e só então lembrou que estava na estante da sala, onde sempre fica.
Refez o trajeto, sentou no carro, deu a partida, deu uma conferida no painel, que achou embaçado. Levou a mão aos olhos e percebeu que estava sem os óculos. Respirou fundo, pediu calma ao seu eu interior e buscou mentalmente onde estavam os óculos.
Riu do fato de lembrar outra vez da Dona Rosinha, professora do ensino fundamental, cujo corpo deliciava seus pensamentos pecaminosos da pré-adolescência, perdoados várias vezes nas confissões. Recordou dela quando falava, com uma boca deliciosamente articulada, sobre o pluralia tantum para explicar a pluralidade dos óculos. Suspirou mais uma vez pelas pernas e pela boca da professora.
Enquanto fazia seu ato de contrição, lembrou que os óculos estavam no banheiro do corredor, onde sempre deixava previamente obras clássicas da literatura universal, muito em função da influência da Dona Rosinha. Voltou à casa, pegou os óculos e retornou, agora oficialmente atrasado, para trabalhar. Sentou, verificou se não estava esquecendo mais nada, quando deu por falta da carteira. Bateu a mão em todos os bolsos, olhou no porta-luvas, no porta-trecos.
Começou a rir. Lembrou mais uma vez de Dona Rosinha, a professora mais linda do mundo, escrevendo no quadro sobre “flexão de número”, e explicando com aquela voz sedosa que em substantivos compostos, vão para o plural, apenas as palavras que forem substantivo ou adjetivo. Despertou do transe e mergulhou na lembrança do corpo da Dona Rosinha, que desde aquela aula passou a referi-lo como o modelo clássico dos substantivos compostos e só então lembrou que a carteira estava na primeira gaveta da cômoda da sala.
Desta vez voltou sorrindo, acalmou e suspirou em gratidão à Dona Rosinha, a melhor e mais linda professora do mundo ...
Fonte da Imagem: Pinterest
É isto aí!
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Gratidão!