O que escrever sobre o ano vencido e sobre o ano vindouro? Queria dizer Feliz Ano Novo, mas que não seja enfadonho. Desejar apenas que seja feliz, por si só, é ser muito ingrato para com a alma e com o futuro. É nas dores, nos tropeços e nas quedas que deparamos com nossas limitações com a trilha errada, com a pessoa errada, com as escolhas para partilhar o caminho da vida e de muitas outras coisas que acabarão, cedo ou tarde, dando errado. É na dor que crescemos.
O que desejar a quem que já não deseja mais nada? A quem já perdeu as esperanças? A quem não acredita mais em si? Aos depressivos? Aos paranoicos? Aos limitados? Aos que sofreram agruras no ano que se encerra?
O que desejar aos que apresentaram pânico, ansiedade ou experienciaram aflições, dissabores, escabrosidades, impedimentos, ódio, ingremidades, insatisfações, obstáculos. tristezas, tragédias, traumas, rompimentos?
Será que todas as pessoas acatarão seu desejo de que sejam felizes? Recorro a um texto da Clarice Lispector, para sua reflexão (espero que goste):
“Anunciação”, publicada em 21 de dezembro de 1968:
Tenho em casa uma pintura do italiano Savelli – depois compreendi muito bem quando soube que ele fora convidado para fazer vitrais no Vaticano.
Por mais que olhe o quadro, não me canso dele. Pelo contrário, ele me renova. Nele, Maria está sentada perto de uma janela e vê-se pelo volume de seu ventre que está grávida. O arcanjo, de pé ao seu lado, olha-a. E ela, como se mal suportasse o que lhe fora anunciado como destino seu e destino para a humanidade futura através dela, Maria aperta a garganta com a mão, em surpresa e angústia.
O anjo, que veio pela janela, é quase humano: só suas longas asas é que lembram que ele pode se transladar sem ser pelos pés. As asas são muito humanas: carnudas, e o seu rosto é o rosto de um homem.
É a mais bela e cruciante verdade do mundo.
Cada ser humano recebe a anunciação: e, grávido de alma, leva a mão à garganta em susto e angústia. Como se houvesse para cada um, em algum momento da vida, a anunciação de que há uma missão a cumprir.
A missão não é leve: cada homem é responsável pelo mundo inteiro.
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