domingo, 29 de dezembro de 2013

Penas do Tiê




Penas Do Tiê
De: Domínio Público

Vocês já viram lá na mata a cantoria
Da passarada quando vai anoitecer
E já ouviram o canto triste da araponga
Anunciando que na terra vai chover

Já experimentaram guabiroba bem madura
Já viram as tardes quando vai anoitecer
E já sentiram das planícies orvalhadas
O cheiro doce da frutinha muçambê

Pois meu amor tem um pouquinho disso tudo
E tem na boca a cor das penas do tié

Quando ele canta os passarinhos ficam mudos

Sabe quem é o meu amor, ele é você




quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Se todos fossem iguais a você




Se Todos Fossem Iguais a Você
Vinicius de Moraes

Vai tua vida,
Teu caminho é de paz e amor
Vai tua vida é uma linda canção de amor
Abre os teus braços
E canta a última esperança
A esperança divina de amar em paz

Se todos fossem iguais a você
Que maravilha viver
Uma canção pelo ar,
Uma mulher a cantar
Uma cidade a cantar,
A sorrir, a cantar, a pedir
A beleza de amar
Como o sol,
Como a flor,
Como a luz
Amar sem mentir,
Nem sofrer

Existiria verdade,
Verdade que ninguém vê

Se todos fossem no mundo iguais a você


Fonte Youtube: Raíssa Amaral



Ausência



Ausência
Vinicius de Moraes


Eu deixarei que morra em mim
o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar
senão a mágoa de me veres eternamente exausto
No entanto a tua presença
é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto
existe o teu gesto e em minha voz a tua voz
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado
Quero só que surjas em mim
como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar
uma gota de orvalho
nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne
como nódoa do passado
Eu deixarei...
tu irás e encostarás a tua face em outra face
Teus dedos enlaçarão outros dedos
e tu desabrocharás para a madrugada.
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu,
porque eu fui o grande íntimo da noite.
Porque eu encostei minha face na face da noite
e ouvi a tua fala amorosa.
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa
suspensos no espaço.
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só
como os veleiros nos pontos silenciosos.
Mas eu te possuirei como ninguém
porque poderei partir.
E todas as lamentações do mar,
do vento, do céu, das aves, das estrelas
Serão a tua voz presente,
a tua voz ausente,
a tua voz serenizada.

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

O Bicarbonato da Vó Nena.


Dona Nena mergulhou na xícara de chá de uma maneira súbita. Bateu no fundo, ganhou impulso e chegou à margem de uma paradisíaca enseada. Ouviu gritos estranhos. Ao levantar os olhos, deparou com pigmeus com face pouco amistosa, que corriam nus em sua direção, com armas em punho.

Buscou uma saída rápida, correu para um túnel à sua esquerda, ganhou impulso, deu um salto por sobre uma pedra, e aterrissou em uma salada de frutas com chantilly,  repleta de frutas vermelhas. Mantendo um pífio equilíbrio por entre as cerejas e morangos, chegou à beira da taça e desceu pela colher, como se fosse um imenso tobogã de prata.

Ganhando uma velocidade estonteante, ao se aproximar do final em curva, percebeu que foi arremessada a uma velocidade supersônica, plainando em harmoniosos e lentos movimentos, até ser amortecida em queda por uma densa nuvem de algodão, que devido ao impacto do peso, desceu suavemente até o chão, permitindo sua saída de forma segura e tranquila.

Estando outra vez em solo, lembrou-se dos pigmeus nus, mas não teve tempo para amedrontar, pois ratazanas gigantes sentiram seu cheiro e galopavam alucinantemente em sua direção, sendo salva por uma sereia voadora, que como um anjo, a sequestrou em súbito e permitiu que fosse parar em segurança, presa ao cordão do saquinho de chá.

Subiu pelo cordão, chegou ao topo e percebeu que estava em casa, e sabia que ali era terreno conhecido e seguro. Pulou em cima do açucareiro, e desceu suavemente pela colher, como lembrou de já ter ocorrido. Adormeceu ali mesmo, por horas a fio, por sobre a toalha xadrez da mesa da cozinha.

Foi acordada por seu neto, tocando-a com delicadeza:

- Vó, acorda vó...vó...acorda...

- Hã...hum...ah! é você João Carlos...e o abraçou com um profundo suspiro.

- Não é João Carlos mais, vó, já te falei um tantão de vezes, é White Pepper, vó, agora sou White Pepper.

- Para mim é João Carlos.

- Vó, a senhora viu um envelopinho que deixei debaixo do forno de microondas?

- Um pacotinho de bicarbonato? Vi, João Carlos, estava com uma gastura imensa na barriga, tomei e sarei...

- Vó, já falei para a senhora não mexer naqueles envelopinhos. O bicarbonato está no armário do banheiro.

- Ah, João Carlos, eu conheço um envelope de bicarbonato a cem metros de distância. Além disto bicarbonato é remédio prá tudo desde quando eu era criança, e não me faz mal nenhum...

- Hã-hã, sei vó, sei...


É isto aí!

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

A tristeza de Olivia


Olívia era uma moça triste. Vivia suspirando pelos cantos, pelas frestas dos cantos, atrás das portas, dos portais e dos umbrais. Olhos amendoados, semi-abertos, olhar longínquo. Pálida, olhos azuis, cabelos negros, mãos finas e triste, sempre triste.

O que lhe falta Olivia? - perguntavam os amigos. Nada, não me falta nada. Sou triste.
O que você tem Olivia? - Nada, não tenho nada. Sou triste.
O que aconteceu Olivia? Nada, não aconteceu nada. Sou triste.

Olivia não trazia consigo uma entediante melancolia profunda e incessante; nada impedia a execução das atividades normais do dia a dia. Nunca perdeu o interesse em atividades sociais; não tinha nenhuma dificuldade de raciocínio e concentração.

Não tinha irritabilidade ou ansiedade, nem apresentava fadiga constante, muito menos alterações nos hábitos de sono, como excesso de sonolência ou insônia. Nunca passou pela sua cabeça pensamentos mórbidos sobre morte e suicídio. Seu apetite era normal e não tinha tendência ao isolamento.

Não tinha dor de cabeça, nem cólica menstrual, nem era chata ou deselegante com as pessoas. Olivia era triste. E isto incomodava muito aos outros, mas não a ela. Perguntava sempre: por que as pessoas têm a obrigação de serem felizes? 

Olivia refletia sobre este fato: a obrigação de ser feliz o tempo todo está virando uma obsessão a ponto de causar angústia nas pessoas verem alguém triste. Ora bolas, a felicidade é efêmera por definição, por isso, as pessoas que só pensam nela sofrem muito mais e se distanciam das pequenas alegrias da vida.

A tirania da felicidade, segundo Olivia, faz com que as pessoas, hoje em dia, sofram também por não querer sofrer, do mesmo modo que se pode adoecer de tanto procurar a saúde perfeita. Não é à toa que os antidepressivos são um sucesso arrebatador nas farmácias, e os bares ficam cheios de pessoas sorrindo alcoolizadas.

Afinal, o que é a felicidade? Haverá tema mais infeliz? A mídia, o poder público e o comércio transformaram a felicidade em direito e, coisa pior, em dever. 

É isto aí!














domingo, 22 de dezembro de 2013

O outro



Alfredo acordou diferente naquela manhã. Sentiu-se outro. Virou para o lado, viu uma mulher desconhecida, sensualíssima, formosa, seminua, ao alcance do seu mais profundo desejo. Avançou sobre aquele monumento humano e a possuiu como um deus no Monte Olimpo. Fizeram de tudo, de todas as formas, de todas as maneiras, de todos os jeitos e de todos os ângulos possíveis permitidos pela física.

Deixou-a em êxtase no aconchegante ninho de amor e se dirigiu ao banheiro. Tomou um demorado banho, cantou as mais românticas músicas francesas que denominava com fluência nativa. Terminado, voltou ao quarto. Ela estava encantada e tão sedutora que Alfredo não resistiu. Se amaram como não houvesse o amanhã.

Saiu apressadamente para o trabalho, pegou sua pasta sem verificar a agenda, correu para o ponto, tomou o ônibus, desceu sem notar que estava sem relógio, sem tempo e sem sapatos. Entrou apressadamente no edifício onde tinha um grande escritório de consultoria financeira. Ninguém notou sua falta de tempo e sua falta de sapatos, pois estas coisas são íntimas e pessoais.

Ao entrar solitário no elevador, virou-se para o grande espelho do fundo. Alfredo teve um colapso - aquele não era ele. Desmaiou e quando acordou estava em um hospital já a tres dias, inconsciente.

Carlos olhou para os lados, viu sua esposa dormindo no pequeno sofá...sussurrou para ela...Stella...Stella...
Ela abriu os olhos e um sorriso maravilhoso. Diga-me Stella, foi ele de novo?

- Sim, Carlos, foi ele de novo.
- Meu Deus, Stella, este outro em mim me apavora.
- Não, Carlos, seu outro é de uma candura indescritível.
- Caramba, Stella, você gosta de mim ou do outro?
- Claro que é de você, seu bobinho...e deram um selinho básico.

Naquela noite Carlos teve uma ruminante relação matrimonial com Stella. Na manhã seguinte Alfredo acorda e a volúpia estonteante promove o alcance do Nirvana entre os dois. Stella se abraça a Alfredo, como uma adúltera obcecada e obsessiva e pede tudo o que possa ser mais. Alfredo penetra em todos os seus poros, parte seu desejo em centenas de desejos, explodem em prazer e parte sem dizer adeus.

Assim Stella passa a ter um amante invejável, dentro de casa, sem promover nenhuma ruptura em sua vida social. Carlos sabe deste transtorno dissociativo de identidade, mas prefere ignorar o outro que habita em si. E o outro, ah! o outro, é um animal possuindo a fêmea no cio...

É isto aí!

Eu te amo, eu te odeio, sei lá!



- Eu te amo, falou Marcinho, enquanto franzia a testa, cerrava os olhos e unia os lábios em posição de ataque.

- Ah, está bem, comentou Emilinha, marcando distância com a mão esquerda sobre o ombro direito de Marcinho, com o braço ligeiramente esticado.

- Como assim "está bem"? Eu te amo Emilinha, o que mais espera de mim?

- Ainda pressionando com o braço o corpo teso e inclinado de Marcinho: Nada, não posso esperar mais nada.

- Emilinha, casais que se amam se entregam ao encontro do amor. Onde está sua afetividade?

- Acho que deixei na sorveteria...aquele sorvete de casquinha com cobertura de chocolate...hummm...

- Você não está levando meus sentimentos a sério...

- Marcinho, olha que coisa ridícula nós dois!

- Emilinha, um tal de Fernando Pessoa falou que todas as cartas de amor são ridículas.

- Como você é ridículo, Marcinho.

- Meu amor por você, Emilinha, é o caminho a ser percorrido na busca pela felicidade, pois, é uma única experiência na qual posso obter a mais intensa experiência referente a uma transbordante sensação de prazer.

- Caramba, para de confundir as coisas, Marcinho, que papo é este de prazer comigo?

- Emilinha, desejo que saiba que escolhi a via do amor sexual com e por você como tentativa de encontrar a felicidade.

- Marcinho, isto o fará se tornar dependente de parte do mundo externo de uma maneira bastante perigosa, pois, a dependência do objeto amoroso escolhido, pode causar-lhe um sofrimento extremo caso perca seu objeto.

- Emilinha, saiba que a busca pelo objeto de amor, que é você, representa uma tentativa de recuperar meu narcisismo infantil perdido, a fim de retornar à sensação ilusória de onipotência e completude vivenciada em minha relação primitiva com minha genitora.

- Acabou, Marcinho...

- Emilinha, não, por favor não...

- Marcinho, por favor, acabou...

- Emilinha, eu te suplico...por favor...

- Márcio Antônio Fragoso Fontes, faça o favor de sair desta sala agora. Estou mandando! Seu tempo acabou.

- Detesto quando me chama pelo nome completo...Eu odeio você quando manda em mim e faz isto só para parecer com minha mãe...Emilinha, eu te odeio...tudo bem, tudo bem...eu vou embora...

- Semana que vem, no mesmo horário, Marcinho, não se atrase...

É isto aí!

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Apenas deixem as gordas em paz.




Fontehttp://www.cartacapital.com.br/blogs/feminismo-pra-que/deixem-as-gordas-em-paz-9363.html
Autora: Clara Averbuck. Escritora, feminista e encontrável no claraaverbuck.com.br

"Você emagreceu!" é automaticamente interpretado como elogio. "Você engordou" é algo que ninguém aceita bem.

Você emagreceu!  Você está leve, está linda, está fina. Elegante. Está fazendo exercícios? Está comendo melhor? Parabéns!

Você engordou! Nossa, o que aconteceu? Relaxou? Está com problemas? É ansiedade? Já fez exames? Come muito doce?

Bom, preciso dizer que magreza não é sinal de saúde? Preciso dizer que 95% dos pacientes com anorexia são mulheres? Preciso dizer que a anorexia é inclusive tratada como epidemia em alguns países, tendo a doença alto índice de mortalidade (1 a cada 5 pacientes)?

Muitas mulheres convivem com essa neurose diariamente. Muitas mesmo. Quantas amigas suas vivem de dieta? Quantas amigas suas morrem de culpa por comer um pedacinho de bolo? Quantas mulheres entram em depressão por causa de seus corpos depois da gravidez? Quantas delas correm para a academia querendo entrar "em forma" o mais rápido possível? Quantas tomam remédio pra emagrecer? Quantas morrem de vergonha de seus corpos na praia? Quantas conseguem ficar de boa ao vestir um biquini sem ter se esforçado pra estar "em forma"? E quantas das que eram gordas e emagreceram agora tiram onda das que continuam gordas? É claro que você pode ir pra academia. É claro que você pode malhar, pode inclusive ser musculosíssima, pois o corpo é seu. O que nós queremos é apenas que todos os corpos sejam aceitos. Todos os corpos. Os malhados. Os naturalmente magérrimos. E os gordos. Sim, as gordas querem ser aceitas e felizes. E amadas e bonitas e tratadas como pessoas normais, não como "aquela gorda", estando isso à frente de tudo mais que ela for.

A quem argumenta que as magras também sofrem: sim, todas as mulheres que estão fora do padrão de beleza sofrem. E as que não estão também. Nunca está bom. Você nunca vai ser boa o suficiente. Você vai pra sempre ter que pensar nisso. Mulher não pode engordar. Não pode ser muito magra. E não pode envelhecer. É ridículo ouvir que "homem gosta de ter onde pegar", como se agradar os homens fosse o objetivo final da vida de cada mulher. Todas sofrem. As muito magras, as negras, as gordas. Não estamos jogando supertrunfo da opressão.CartaCapital

Mas há obviamente uma pressão maior sobre as gordas. Se for negra e gorda, então, muito pior.  Vamos falar GORDAS, não "gordinhas", "fofinhas" ou "gordelícia", porque GORDA não é xingamento. Uma pessoa gorda não é pior do que uma pessoa magra. Nem mais preguiçosa, nem mais relapsa, e nem tem menos "força de vontade". Força de vontade PRA QUE, minha gente? Pra se enquadrar em um padrão excludente? As gordas que emagrecem são parabenizadas. Glorificadas. "Parabéns pela sua incrível força de vontade!" Ninguém pensa na triste possibilidade de essa força de vontade talvez estar vindo de uma terrível angústia por causa da pressão social. É claro que a pressão nem sempre vem de fora pra dentro. Você pode perfeitamente não se sentir bem em seu corpo e querer mudar; como eu já disse, o corpo é seu. Mas saiba que isso é algo pessoal e que é lamentável que isso vire uma cruzada chamando todas as pessoas que são gordas para também entrarem "em forma". Isso não deveria estar no centro das nossas vidas. Nós não estamos aqui para enfeitar o mundo. Somos mulheres, não adornos.

Veja bem, eu não estou usando um tom acusatório. Eu inclusive sinto isso na minha pele, sempre senti. A vida inteira eu convivi com essa paranoia. Tomei um milhão de remédios para emagrecer. Vivia querendo ser magra. E eu nem era gorda! Porém me entendia gorda. Obesa. Horrível. Eu precisava emagrecer. Chorava quando engordava um pouquinho. Vivia pensando nisso, carregava a neurose como uma bigorna pendurada no pescoço. A pressão era terrível. Eu achava que tinha que ser perfeita. Achei que estava perfeita depois de uma crise em que fiquei dias sem comer. Eu estava horrível,  estava um caco, mas estava esquálida e me achando linda, com muita gente ao meu redor aprovando o absurdo. Eu sei como é. Eu sei o que a gente passa. Não é fácil se livrar disso. Volta e meia ainda tenho umas crises que podem até atrapalhar a minha vida sexual. Ninguém está livre e a culpa não é de quem sucumbe; é muito difícil conviver diariamente com todas as pressões de um mundo que vê os gordos - mais especificamente as gordas - como pessoas piores.

Não tem roupa pra gorda no Brasil. Não tem mercado pra gorda no Brasil. Pessoas gordas sofrem preconceito em entrevista de emprego (li que precisam fazer cerca de quarenta entrevistas a mais do que uma pessoa magra). Não tem gorda na televisão, a não ser quando é no papel d'A Gorda. Pessoas gordas sofrem preconceito no sistema de saúde. Pessoas gordas sofrem preconceito no transporte público. Pessoas gordas não são doentes. Pessoas gordas são apenas gordas.

(Já sei que vai ter um monte de gente dizendo que GORDURA NÃO É SAUDÁVEL AS PESSOAS MORREM DE OBESIDADE AS PESSOAS GORDAS GORDAS GORDAS MORREM GORDAS MORREM. A vocês apenas digo: busquem conhecimento, pois não é bem assim. Tem muito gordo com a saúde nos trinques.)

Exaltar a beleza das gordas não é dizer que as magras não estão mais autorizadas a serem belas. Não é tentar estabelecer um novo padrão, uma ditadura da celulite, e sim aceitar uma democratização da beleza. É não olhar feio quando a gorda quiser comer um xis-tudo, porque o corpo é dela, consequentemente, a saúde também. Não use o argumento da saúde para cagar regra no corpo alheio. Dificilmente fazem isso com as magras. Dificilmente condenam meninas evidentemente doentes, pelo contrário, elas têm a magreza elogiada e exaltada e são encorajadas a continuarem com a loucura de não comer, de vomitar, de perder, perder, perder. Não é uma preocupação com a saúde. É pura e simples cagação de regra.

Gorda não é xingamento. Deixem as gordas em paz. Deixem as gordas de biquíni. Deixem as gordas mostrarem a barriga, deixem as gordas usarem o tamanho de saia que quiserem. Deixem as gordas terem namorados sem pensar "nossa, esse aí podia conseguir coisa melhor". Gorda não é "coisa". Gorda é gente.


Apenas deixem as gordas em paz!

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Carminha e sua carta ao Papai Noel


Prezado Papai Noel,

Eu sou uma mulher de hábitos simples, linda, poderosa, maravilhosa, boa e gostosa. Não perco tempo com rapazezinhos sarados nem com velhinhos tarados. Estou escrevendo com antecedência, pois percebi que organização não é seu forte e quero que o senhor tenha tempo para preparar tudo certinho.

Para 2014, não tenho a menor intenção de ser humilde, pensar no próximo, ser caridosa, etc. Vou pedir sem miséria, estou de saco cheio de ser delicada em meus pedidos e receber migalhas.

Segue minha lista e solicito que assegure que nenhuma outra mulher irá ter acesso. Assim, o senhor pode produzir tudo só uma vez para baratear os custos.

Minha lista é básica e bastante simplificada:

01 - Desejo que não haja limite nos meus cartões de crédito e que exista um código especial para fazer compras, de maneira que a fatura seja automaticamente zerada.

02 - Quero um homem de verdade, mas, fala sério, Papai Noel, não me traga imitações! Diga NÃO à pirataria! Chega de genéricos!

03 - Quero um dispositivo instalado no Smartphone que jogue fora toda a gordura consumida, desinflando os pneuzinhos automaticamente.

04 - Quero também um programa de defenestração gigante, com detector de canalhas, de modo que, se algum deles se aproximar, seja imediatamente sugado, triturado e reduzido a pó.

05 - Quero depilar por WhatsApp! Neste caso, se não tiver, pode ser também por Vibracall Iphone 4G ultrassônico - uau!

06 - Um chocolate gostoso que elimine a celulite e hidrate a pele ao ser ingerido.

07 - Quero uma manicure e pedicure definitivas, que durem para sempre e não desapareçam quando mais preciso.

08 - O homem de verdade que o senhor vai me dar de presente deve adivinhar todos os meus desejos e, toda vez que se aproximar de mim, deve dizer o quanto sou linda, inteligente e especial. Que me traga presentes e trate bem minha família e também adivinhe quando for hora de sumir, quando eu estiver sensível ou com TPM.

09 - Para o ciclo menstrual, vou ser camarada: peço que dure no máximo 2 horas, sem cólica.

10 - Também gostaria de um programinha anexo ao Candy Crush, que eu apertasse se e quando quiser estar fértil.

11 - Quero roupas que sofram uma metamorfose de acordo com as tendências e as estações, com tecidos auto-limpantes e auto-passantes.

12 - Se um homem se atrever a me trair ou estiver mentindo, que uma luz vermelha se acenda em seu celular, com bluetooth direto para meu Smartphone, esteja onde eu estiver, e que logo em seguida ele confesse tudo o que fez. Em caso da mais remota chance de infidelidade, faça com que ele não consiga uma ereção naquele momento. Mas, atenção: não quero uma brochada definitiva, pois também não me seria conveniente.

13 - Quero uns comprimidos que alterem automaticamente cor, comprimento e textura do cabelo, permitindo os mais variados penteados, que voltarão ao normal no momento em que eu assim o desejar.

14- Vou pedir novamente um suprimento infinito de sapatos, bolsas, cosméticos e jóias, visto que minha solicitação anterior foi esquecida.

15 - E quero também um espaço auto-organizante que acomode tudo. Também vou pedir DE NOVO: me mande uma doméstica robozinho que limpe, lave, passe, cozinhe e toque música, que não falte, não peça aumento e não acabe com o sabão em pó em uma semana.

16 - Quero um programa antivirus de eliminação de piriguetes! 

17 - Bumbum, peitos e coxas, tudo com botõezinhos no celular que monitorem, inflem e desinflem segundo a ocasião, situação e minhas intenções. Que abdominais sejam coisas que possamos comprar prontas no supermercado. Quero 150 de QI e 50 de cintura, NÃO O CONTRÁRIO, PAPAI NOEL, MEU FOFO!

Espero que não seja muito complicado atender minha listinha.
Nos vemos em dezembro, mas se conseguir terminar tudo antes, ficarei imensamente grata.

Com carinho,

Euzinha, gostosa, fogosa e maluca, mas sincera!

Cor da Alma (Florbela Espanca)



Cor da Alma (Florbela Espanca)

Teus olhos têm uma cor
de uma expressão tão divina,
tão misteriosa e triste.
Como foi a minha sina!!!

É uma expressão de saudade
vagando num mar incerto.
Parecem negros de longe...
Parecem azuis de perto...

Mas nem negros nem azuis
são teus olhos meu amor...
Seriam da cor da mágoa,
se a mágoa tivesse cor.

Me Sinto Triste (Florbela Espanca)



Me Sinto Triste (Florbela Espanca)

Sem remédio

Aqueles que me têm muito amor
Não sabem o que sinto e o que sou...
Não sabem que passou, um dia, a Dor
À minha porta e, nesse dia, entrou.

E é desde então que eu sinto este pavor,
Este frio que anda em mim, e que gelou
O que de bom me deu Nosso Senhor!
Se eu nem sei por onde ando e onde vou!!

Sinto os passos de Dor, essa cadência
Que é já tortura infinda, que é demência!
Que é já vontade doida de gritar!

E é sempre a mesma mágoa, o mesmo tédio,
A mesma angústia funda, sem remédio,
Andando atrás de mim, sem me largar!

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Lino e as cabras - Casos do interior



Lino e as cabras

Manhã tranqüila numa cidadezinha lá no interior do interior das Minas Gerais. O dia lá ia amanhecendo meio dourado, meio azul claro, entre as montanhas. O cheiro do mato percorria as ruas do lugar e cada um já se pronunciava para os vizinhos, varrendo a calçada, buscando pão, e falando da vida.

O padre, em frente à igreja, vê passar um garotinho, bem magrinho, destes subnutridos, se tivesse muito, tinha lá seus dez ou onze anos no máximo. Os pés estavam descalços, sofridos e sujos, franzino, meio esquálido, ar assustado de sono com olhos esbugalhados. Chapéu de palha de aba curta, roupinha simples, mas arrumadinha, e vinha lá tocando umas seis cabras, com uma varinha.

A da frente ia com um sinete, alertando e chamando as demais que a seguiam, de maneira que o esforço que o garotinho conseguia era suficiente para manter as cabras reunidas e fazê-las caminhar.

O padre, observando a cena, começa a imaginar se aquilo não seria um caso de trabalho infantil, pois a escola já estava abrindo os portões e aquele menino deveria estar em sala de aula, e ao invés disto estava ali, trabalhando duro.

Compadecido, resolve abordar o pobre menino :
- Olá, meu jovem. Como é o seu nome?
- Lino, seu padre, filho de Nonô, neto de Nhô Chico.
- Ah! Sei quem é a sua família, muito bem, gente boa. Mas o que é que você está fazendo com essas cabras, Lino, que não está na escola?
- É pro bode do Seu Zé de Paula cobrir elas, seu padre. Estou levando elas lá prá fazenda do seu Luiz Carlos, que onde seu Zé de Paula tem um bode bom de cobertura. Deixo lá, corro pra escola e de tarde pego de volta.
- Me diga uma coisa, Lino, seus irmãos mais velhos não poderiam fazer isso?
- Já fizeram seu Padre... Mas num dá cria... aí meu pai falou que tem que ser um bode mesmo!

É isto aí!

domingo, 8 de dezembro de 2013

Eu te amo, seu idiota!


Você nunca me diz que me ama, balbuciou a moça, no alto de uma sofrida pausa de suspiro. Você também nunca diz que me deseja, tornou a lamuriar. Você não me abraça quando quero ser abraçada. Lágrimas desciam a cada lamentação. Era um rosário delas.

Ele nunca falava nada. Ficava ali a fitar suas coxas deliciosas em um sensual envólucro vermelho.

Você tem vergonha de mim, balbuciou com os lábios trêmulos. Você não me apresenta a ninguém. Você é frio e insensível com meus sentimentos. Você não me beija como eu gosto de ser beijada. Os olhos já estavam totalmente tomados de dor. Era o calvário dela.

Ele ouvia tudo e não se pronunciava. Ficava ali a fitar seus seios nus deliciosos, em uma sinuosa projeção da lingerie.

Você é um monstro! É isto que você é! Você é um monstro destruidor de mulheres! Eu devia matar você Eu te odeio, entendeu? Eu te odeio! Está ouvindo, hem? E.U.T.E.O.D.E.I.O., entendeu agora? Que ódio!! Que ódio!! Você é um imbecil! Um idiota!

Ele dedilhava Beatles no violão, impassível, olhando para seus pés, os pés mais lindos que um ser humano poderia tocar.

Quer saber? Quer saber? Não quero mais! Pronto, não quero mais! Além do mais você não é lá muita coisa mesmo! Você é um pamonha! Um lerdo! Sabe o Fabinho? Vive me seduzindo. Acho que vou dar pro Fabinho! Fala alguma coisa, pelo amor de Deus - eu não te amo mais! eu te odeio! eu não te quero! eu te detesto! Idiota! Você é um idiota!

Ele para, olha bem para algum lugar entre os olhos dela e o fundo da sala! Olhar vazio...vazio...e com muita tranquilidade, sussurra: tudo bem! você vai para Paris comigo.

Ela grita, pula, se estica, gira - grita, grita, grita!! Eu te amo!!! Eu te amo!!!

Ele volta a tocar Beatles...

É isto aí!

sábado, 30 de novembro de 2013

Emmylou Harris - C'est la vie (you never can tell) 1977


Fonte da imagem: Britannica 

Emmylou Harris (Birmingham, Alabama, 2 de abril de 1947) é uma cantora e compositora estadunidense de música country, folk e alternativa. Sua voz de soprano torna-a uma das mais distintas cantoras da música popular dos Estados Unidos. (Wikipédia) .

Fonte Youtube: You never can tell


Chuck Berry - You Never Can Tell


Fonte da imagem: Pinterest (Buy "You Never Can Tell" by Mad Ferret as a Sticker. Illustration from the famous dance scene in Pulp Fiction)


Também conhecido como "c'est La Vie" ou "Teenage Wedding", é uma canção escrita por Chuck Berry. Foi composta no início da década de 1960, enquanto Berry estava em uma prisão federal por violar o Mann Act. Lançado em 1964, no álbum" St. Louis to Liverpool e no single seguinte Berry's final Top Ten hit of the 1960s: "No Particular Place to Go", "You Never Can Tell" atingiu a posição #14 se tornando o Top 40 final de Berry até "My Ding-a-Ling", em 1971.

Descrição:

A canção fala do casamento de dois adolescentes e o seu estilo de vida depois. Vivendo em um modesto apartamento, o rapaz encontra trabalho e eles começam a desfrutar de uma relativa prosperidade. Eventualmente, eles compram um "souped-up jitney" (um automóvel modificado para alto desempenho) e viajam para Nova Orleans, onde o seu casamento aconteceu, para celebrar o seu aniversário. Cada estrofe termina com o refrão, "C'est la vie,' say the old folks, 'it goes to show you never can tell.'"

Compositor - Chuck Berry

Letra de You Never Can Tell © BMG Rights Management, Universal Music Publishing Group, Warner Chappell Music, Inc

Fonte Youtube:



Fonte da Letra: Letras

You Never Can Tell
Chuck Berry

It was a teenage wedding
And the old folks wished them well
You could see that Pierre
Did truly love the mademoiselle
And now the young monsieur and madame
Have rung the chapel bell
C'est la vie, say the old folks
It goes to show you never can tell

They furnished off an apartment
With a two room Roebuck sale
The coolerator was crammed
With TV dinners and ginger ale
But when Pierre found work
The little money comin' worked out well
C'est la vie, say the old folks
It goes to show you never can tell

They had a hi-fi phono, boy
Did they let it blast
Seven hundred little records
All rock, rhythm and jazz
But when the Sun went down
The rapid tempo of the music fell
C'est la vie, say the old folks
It goes to show you never can tell

They bought a souped-up jitney
It was a cherry red '53
They drove it down to Orleans
To celebrate the anniversary
It was there that Pierre was married
To the lovely mademoiselle
C'est la vie, say the old folks
It goes to show you never can tell

It was a teenage wedding
And the old folks wished them well
You could see that Pierre
Did truly love the mademoiselle
And now the young monsieur and madame
Have rung the chapel bell
C'est la vie, say the old folks
It goes to show you never can tell






Bruce Springsteen - You Never Can Tell


Fonte da Imagem: New Music Diary


Fonte Youtube:


Bruce Frederick Joseph Springsteen (Long Branch, 23 de setembro de 1949) é um cantor, compositor, violonista e guitarrista norte-americano. Durante a sua carreira, iniciada em 1969, Bruce já recebeu vários prémios importantes, como vinte Grammys, quatro American Music Awards e um Oscar, tendo já vendido mais de 120 milhões de discos. (Wikipédia)

domingo, 24 de novembro de 2013

Djavan & Olivia Byington - Primavera (Carlos Lira/Vinicius de Moraes)


Canção de Carlos Lyra e Vinicius de Morais, e faz parte da trilha sonora do filme 'Para viver um grande amor', que é baseado na trilha sonora da peça 'Pobre Menina Rica', de Carlos Lyra e Vinicius de Moraes. Vozes: Djavan e Olivia Byington

Imagem: Adoro Cinema

Música: Primavera  (Carlos Lira/Vinicius de Moraes)


Filme: Para Viver um Grande Amor (http://www.imdb.com/title/tt0188124/)
Direção: Miguel Faria Junior
Adaptação e Roteiro: Chico Buarque & Miguel Faria Jr.

O meu amor sozinho
É assim como um jardim sem flor
Só queria poder ir dizer a ela
Como é triste se sentir saudade

É que eu gosto tanto dela
Que é capaz dela gostar de mim
Acontece que eu estou mais longe dela
Que da estrela a reluzir na tarde

Estrela, eu lhe diria
Desce à terra, o amor existe
E a poesia só espera ver nascer a primavera
Para não morrer

Não há amor sozinho
É juntinho que ele fica bom
Eu queria dar-lhe todo o meu carinho
Eu queria ter felicidade

É que o meu amor é tanto
É um encanto que não tem mais fim
E no entanto ela não sabe que isso existe
É tão triste se sentir saudade

Amor, eu lhe direi
Amor que eu tanto procurei
Ah! quem me dera eu pudesse ser
A tua primavera e depois morrer

Fonte do Vídeo: Marcelo Ghelfi
Celine Imbert e Marcelo Ghelfi interpretam "Primavera" de Carlos Lyra e Vinícius de Moraes.
Álbum "Vinícius sem mais Saudade"
Celine Imbert (soprano) e Marcelo Ghelfi (piano)









domingo, 17 de novembro de 2013

A Lei das Gordas


Faço saber que o Congresso Nacional do Reino da Pitangueira decreta e eu sanciono a seguinte Lei:


Considerando que o corpo é apenas um  efêmero veículo, cujo único intuito é ser condutor da alma eterna, declaro:

Artigo 1º - Toda gorda é linda.
§ 1º - Toda mulher gorda é sensual, algo entre o limite de ser gostosa e o início de ser gorda.
§ 2º - Não existe mulher gorda feia, doravante serão reconhecidas cientificamente por "boderline" lipídicas.
§ 3º - Não existe limite legal nem parâmetros físicos para uma mulher ser gorda. Seja feliz, e isto basta.

Artigo 2º - Fica excluído o caráter pejorativo e etimológico da palavra "Gorda", originária do Latim,  cuja origem “gurdus”, designa o que é “estúpido”, “labrego” e “grosseiro”.
§ único - Uma sensual mulher gorda poderá ficar acometida de tristeza, raiva, vergonha, sentimento de pânico, horror, sensação de vazio e de extrema solidão mediante a manutenção deste sentido pejorativo.

Artigo 3° - Toda mulher gorda tem prazer e dá prazer.
§ 1° - O prazer não terá limites, nem tempo nem hora.
§ 2° - Há na mulher gorda a sensualidade e a liberdade total para dançar, cantar, rebolar, e se relacionar da forma que melhor lhe convier.

Artigo 4º - Foda-se o resto e quem acha o contrário.

Artigo 5º - Revogam-se as disposições em contrário. 

É isto aí! 





sexta-feira, 15 de novembro de 2013

O amor eterno de Laurinha!


Laurinha e Julinho pareciam viver a plena harmonia do casal perfeito. Ele, jovem executivo com futuro promissor e ela uma excelente professora universitária cursando o doutorado em Filosofia Kantiana. Laurinha amava Julinho, melhor, Laurinha entranhou na vida, no corpo e na alma de Julinho. Era uma obsessão.

Ligava o dia todo, mandava e-mail, mandava msn, fiscalizava o Facebook, pagou um detetive para espioná-lo quando suspeitou que Julinho deu dois suspiros em um mesmo final de semana. - Julinho, eu te mato e me mato em seguida, mas sem você não fico! Dizia nas convulsões e nas conversas aflitivas em lençóis de linho egípcio de 400 fios.

Mas Julinho ficava na dele. Achava aquilo tudo natural. Além disto Laurinha era uma amante completa, de cama e mesa, com papo acima da média e cultura invejável, alem de ser linda. Mas a paranoia foi aumentando, aumentando, até que Laurinha obrigou Julinho a passar-lhe todas as senhas que possuía. Algemado, em êxtase plural proporcionado por um frenesi inebriante, cedeu aos caprichos da deusa louca do amor total.

Mas para surpresa de Laurinha, nada encontrava nas páginas eletrônicas, nenhum vestígio de outra pessoa entre os dois. Julinho era metódico em tudo, incluindo horário de sair, de chegar, banho, dormir, etc. E sua vida cibernética era um tédio sem fim. Julinho nem documento carregava, nem celular (um ficava em casa e o o outro no escritório), achava tudo aquilo uma bobagem. Laurinha, de certa forma sentiu-se frustrada com o vazio de informações.

Um dia, e este dia chega, recebe um telefonema de uma assistente social, perguntando se era a esposa de Julinho. Sim, respondeu aflita. Avisaram que ele havia sofrido um acidente, estava grave e necessitava de uma pessoa da família para comparecer urgente ao Pronto-Socorro. Laurinha virou os olhos, tremeu todo o seu corpo escultural, arrepiou toda a extensão de pele, e fez a pergunta apocalíptica:

- Escuta, querida, ele está podendo falar?
- Não senhora, ele está inconsciente.
- Ele tinha algum documento, telefone, alguma coisa que o identificasse, por que pode não ser ele.
- Com certeza é ele, senhora.
- Mas como com certeza?
- É que a moça que o acompanhava quando chegou, Fernanda, foi quem deu seu telefone e os dados iniciais..
- Alô..Alô..Dona Laurinha...

Em poucos segundos Laurinha atravessou a cidade, entrou de rompante pelo Hospital, foi direto onde estava Julinho, e esganando-o, aos berros gritou: "quem é Fernanda??? Quem é esta vaca desta Fernanda???

Correram todos, seguraram a moça, e Julinho, olhando apaixonadamente para ela, deu seu último suspiro. Laurinha desabou, sentiu-se um vaso quebrado em milhares de pedaços, não viu mais nada. Acordou dois dias depois, tendo ao lado um médico que parcimoniosamente a examinava.

Apaixonaram-se...

Laurinha e Carlinhos pareciam viver a plena harmonia do casal perfeito. Ele, jovem médico com futuro promissor e ela uma excelente professora universitária doutora em Filosofia Kantiana. Laurinha amava Carlinhos, melhor, Laurinha entranhou na vida, no corpo e na alma de Carlinhos. Era uma obsessão.

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Os noivos - Um conto de Nelson Rodrigues

Shelley Winters, em cena do filme Lolita - 1962


OS NOIVOS 

Quando Salviano começou a namorar Edila, o pai o chamou:

- Senta, meu filho, senta. Vamos bater um papo.

Ele obedeceu:

- Pronto, papai.

O velho levantou-se. Andou de um lado para outro e senta de novo:

- Quero saber, de ti, o seguinte: esse teu namoro é coisa séria? Pra casar?

Vermelho, respondeu:

- Minhas intenções são boas.

O outro esfrega as mãos.

- Ótimo! Edila é uma moça direita, moça de família. E o que eu não quero para minha filha, não desejo para a filha dos outros. Agora, meu filho, vou te dar um conselho.

Salviano espera. Apesar de adulto, de homem-feito, considerava o pai uma espécie de Bíblia. O velho, que estava sentado, ergue-se; põe a mão no ombro do filho:

- O grande golpe de um namorado, sabe qual é? No duro? - E baixa a voz: - É não tocar na pequena, não tomar certas liberdades, percebeu?
Assombro de Salviano: "Mas, como? Liberdades, como?".

E o pai:

- Por exemplo: o beijo! Se você beija sua namorada a torto e a direito, o que é que acontece? Você enjoa, meu filho. Batata: enjoa! E quando chega o casamento, nem a mulher oferece novidades para o homem, nem o homem para a mulher. A lua-de-mel vai-se por água abaixo. Compreende?

Abismado de tanta sabedoria, admitiu:

- Compreendi.

A SOMBRA PATERNA

Na tarde seguinte, quando se encontrou com a menina, tratou de resumir a conversa da véspera. Terminou, com um verdadeiro grito de alma:

- Muito bacana, o meu pai! Tu não achas?

Edila, também numa impressão profunda, conveio: "Acho”.

- Concordas?

Foi positiva:

- Concordo.

Pouco antes de se despedir, Salviano batia no peito:

- Dizem que ninguém é infalível. Pois eu vou te dizer negócio: meu pai é infalível, percebeu? Infalível, no duro

O BEIJO

Nesse dia, coincidiu que a mãe de Edila também a doutrinasse sobre as possibilidades ameaçadoras de qualquer namoro. E insistiu, com muito empenho, sobre um ponto que considerava importantíssimo:

- Cuidado com o beijo na boca! O perigo é o beijo na boca!

A garota, espantada,protestou

- Ora, mamãe!

E a velha:

- Ora o quê? É isso mesmo! Sem beijo não há nada, está ,.tudo muito bem. OK. E com beijo pode acontecer o diabo. Você é muito menina e talvez não perceba certas coisas. Mas pode ficar certa: tudo que acontece de ruim, entre um homem e uma mulher, começa num beijo!

O IDÍLIO

Foi um namoro tranqüilo, macio, sem impaciências, arrebatamentos. Sob a inspiração paterna, ele planificou o romance, de alto a baixo, sem descurar de nenhum detalhe. Antes de mais nada, houve o seguinte acordo:

- Eu não toco em ti até o dia do casamento.

Edila pergunta:

- E nem me beija?

Enfiou as duas mãos nos bolsos:

- Nem te beijo. OK?

Encarou-o, serena:

- OK.

Dir-se-ia que este assentimento o surpreendeu. Insinua:

- Ou será que você vai sentir falta?

- De quê?

E Salviano, lambendo os beiços:

- Digo falta de beijos e, enfim, de carinho.

Sorriu, segura de si:

- Não. Estou cem por cento com teu pai. Acho que teu pai está com a razão.

Salviano não sabe o que dizer. Edila continua, com o seu jeito tranqüilo:

- Sabe que essas coisas não me interessam muito? Eu acho que não sou como as outras. Sou diferente. Vejo minhas amigas dizerem que beijo é isso, aquilo e aquilo outro. Fico boba! E te digo mais: eu tenho, até, uma certa repugnância. Olha como eu estou arrepiada, olha, só de falar nesse assunto!

O VELHO

Desde menino, Salviano se habituara a prestar contas quase diárias ao pai, de suas idéias, sentimentos e atos. O velho, que se chamava Notário, ouvia e dava os conselhos que cada caso comportava. Durante todo o namoro com Edila, seu Notário esteve, sempre, a par das reações do filho e da futura nora. Salviano, ao terminar as confidências, queria saber: "Que tal, papai?". Seu Notário apanhava um cigarro, acendia-o e dava seu parecer, com uma clarividência que intimidava o rapaz:

- Já vi que essa menina tem o temperamento de uma esposa cem por cento. A esposa deve ser, mal comparando, e sob certos aspectos, um paralelepípedo. Essas mulheres que dão muita importância à matéria não devem casar. A esposa, quanto mais fria, mais acomodada, melhor!

Salviano retransmitia, tanto quanto possível, para a namorada, as reflexões paternas. Edila suspirava: "Teu pai é uma simpatia!". De vez em quando, o rapaz queria esquecer as lições que recebia em casa. Com uma salivação intensa, o olhar rutilante, tentava enlaçar a pequena. Edila, porém, era irredutível; imobilizava-o:

- Quieto!

Ele recuava:

- Tens razão!

CATÁSTROFE

Um dia, porém, o dr. Borborema, que era médico de Edila e família, vai procurar Salviano no emprego. Conversam no corredor. O velhinho foi sumário: "Sua noiva acaba de sair do meu consultório. Para encurtar conversa: ela vai ser mãe!". Salviano recua, sem entender:

- Mãe?!...

E o outro, balançando a cabeça: "Por que é que vocês não esperaram, carambolas? Custava esperar?". Salviano travou-lhe o braço, rilhava os dentes: "De quantos meses?". Resposta: "Três". Dr. Borborema já se despedia: "O negócio, agora, já sabe: é apressar o casamento. Casar antes que dê na vista". Petrificado, deixou o médico ir. No corredor do emprego, apertava a cabeça entre as mãos: "Não é possível! Não pode ser!". Meia hora depois, desembarcava e invadia, alucinado, a casa do pai. Arremessou-se nos braços de seu Notário, aos soluços.

- Edila está nessas e nessas condições, meu pai! - E, num soluço mais,fundo, completa: - E não fui eu! Juro que não fui eu!

MISERICÓRDIA

Foi uma conversa que se alongou por toda uma noite. No seu desespero inicial, ele berrava: "Cínica! Cínica!". E soluçava: "Nunca teve um beijo meu, que sou seu noivo, e vai ter o filho do outro!". O pai, porém, conseguiu, após poucos, aplacá-lo. Sustentou a tese de que todos nós, afinal de contas, somos falíveis e, particularmente, as mulheres: "Elas são de vidro", afirmava. Alta madrugada, o pobre-diabo pergunta: "E eu? Devo fazer o quê?". Justiça se lhe faça - o velho foi magnífico: "Perdoar. Perdoa, meu filho, perdoa!". Quis protestar: "Ela merece um tiro!". Mais que depressa, seu Notário atalha:
- Ela, não, nunca! Ele, sim! Ele merece!

- Quem?

Baixa a voz: "O pai da criança! Esse filho não caiu do céu, de pára-quedas! Há um culpado". Pausa. Os dois se entreolham. Seu Notário segura o filho pelos dois braços:

- Antes de ti, Edila teve um namorado. Deve ter sido ele. Se fosse comigo, eu matava o cara que...

Ergue-se, transfigurado, quase eufórico: "Tem razão, meu pai! O senhor sempre tem razão!".

O INOCENTE


Pôde, assim; desviar da noiva o seu ódio De manhã, passou pela casa de Edila. Com apavorante serenidade, em voz baixa, pediu o nome do culpado. Diante dele, a garota torcia e destorcia as mãos: "Não digo! Tudo, menos isso!". Ele sugeria, desesperado: "Foi o Pimenta?". O Pimenta era o antigo namorado de Edila. Ela dizia: "Não sei, não sei!". Salviano saiu dali certo. Procurou o outro, que conhecia de nome e de vista. Antes que o Pimenta pudesse esboçar um gesto, matou-o, com três tiros, à queima-roupa. E fez mais. Vendo um homem, um semelhante, agonizar aos seus pés, com um olhar de espanto intolerável, ele virou a arma contra si mesmo e estourou os miolos. Mais tarde, desembaraçado o corpo, foi instalada a câmara-ardente na casa paterna. Alta madrugada, havia, na sala, três ou quatro pessoas, além da noiva e de seu Notário. Em dado momento, o velho bate no ombro de Edila e a chama para o corredor. E, lá, ele, sem uma palavra, aperta entre as mãos o rosto da pequena e a beija na boca, com loucura, gana. Quando se desprendem, seu Notário, respirando forte, baixa a voz:

- Foi melhor assim. Ninguém desconfia. Ótimo.

Voltaram para a sala e continuaram o velório.

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

O mantra da destruição


Um dia normal, fazendo coisas normais, ou quase isto, fui comprar algo para casa. Até aí seria mais um daqueles momentos de rotina, onde você descobre que o que ganha ainda não dá para adquirir tudo o que deseja nestes cada vez mais diversificados hipermercados, onde andamos em média uma hora para achar quatro produtos, e olharmos uns duzentos ou mais, desde óculos até geladeiras inteligentes de ultima geração.

Bem, fui para a fila do caixa, recolhido à insignificância dos produtos adquiridos. Já estavam sendo atendidos, um casal gordo e feliz, redondos e apaixonados, em um carrinho lotado de coisas que engordam e à minha frente, na fila ordinária, uma moça de beleza comum, nada excepcional, com poucos artigos de necessidade diária de uma casa. 

Eis que esbarra em mim um carrinho, seguido de desculpas. Ao virar, deparo com uma estonteante beleza feminina, alta, corpo escultural e olhos tristes. Apenas sorri como aceite ao seu pedido, medi sua beleza com dedicada atenção e voltei ao sentido da fila.

A moça da frente, aquela de Beleza Comum (BC), ao ouvir a rápida conversa, virou-se pela curiosidade feminina, olhou para a estonteante moça de Olhos Tristes (OT), e segui-se um diálogo, no qual fui obrigado a testemunhar, por estar exatamente entre as partes, que reproduzo com a máxima fidelidade, abaixo:

BC - Fulana, tudo bem? 
OT - Oi, Fulaninha, nem tinha reparado que era você, estava tão distraída.
BC - Nossa, Fulana, você não muda nada, sempre bonita.
OT - Bondade sua, Fulaninha, mas você está passeando aqui? Não tinha ido embora?
BC - É menina, desde que Beltrano morreu, e já fazem sete anos, fui embora para o Espírito Santo...
OT - Sete anos? Nossa, como passou depressa. Muito triste mesmo. 
BC - É mesmo. Custei para superar o trauma do acidente, mas Deus sabe o que faz. 
OT - E seu filho? Já deve estar um rapazinho.
BC - Ah! É a cara do pai, já tem oito anos. Sabe, ele cobrava muito o pai...
OT - Mas aí você mudou para o Espírito Santo...
BC - Fulana, tive que ir embora, era tudo muito triste. Com a pensão e o seguro comprei uma casinha em Cariacica e levei minha mãe comigo, porque ela também estava sozinha aqui...
OT - É, não deve ter sido fácil perder quem a gente ama...
BC - Mas graças a Deus tudo passou. 
OT - Mas, e aí, voltou...quando foi isto, nunca mais deu notícias.
BC - Tem uns quinze dias que voltei, e agora estou muito feliz.
OT - É mesmo? Está trabalhando aqui? 
BC - Não, nada disto, você lembra do Beto?
OT - Qual Beto?
BC - O Beto, Fulana, aquele que estudou com a gente, que era engraçado, tocava violão...
OT - Ah, sei, o Beto, sei...
BC - Então, no início do ano tive que ir ao centro de Vitória, aí, Fulana, não é que encontrei com ele?
OT - É mesmo? Ele mora lá também?
BC - É, menina, ele tinha mudado para lá tinha umas semanas e estava trabalhando em Tubarão.
OT - Tubarão? Beto? Então foi para Vitória?
BC - É, aí a gente ficou conversando, daí a gente se encontrou outra vez, outra vez, e a vida nos uniu.
OT - Uniu? Vocês casaram?
BC - Ainda não, porque tem a pensão, tenho meu filho e minha mãe que dependem de mim...
OT - O Beto...sei...
BC - Mas aí a companhia chamou ele para cá, e quis que eu viesse, mas eu falei que não dava.
OT - O Beto foi prá Vitória...
BC - Mas aí ele insistiu muito, diz que não voltava sozinho e trouxe eu, mamãe e meu filho...
OT - Então foi isto...
BC - Aí a companhia deu uma casa, e ele está bancando tudo, colocou a gente até no Plano de Saúde.
OT - O Beto...sei...Vitória...
BC - Minha mãe é doida com ele, e meu menino então, parece que é filho dele. Precisa ver...
OT - O Beto...sua mãe...foi prá Vitória...
BC - Vai lá em casa, ele vai gostar de te ver, vou falar com ele. Agora tenho que ir...
OT - Lá em casa...o Beto...gostar de me ver...
BC - Tchau, eu estou morando na Cidade Nobre, na rua Tal, número Tal, apartamento Tal...
OT - O Beto...Cidade Nobre...adeus Fulaninha...

E Fulaninha foi embora, afinal a fila anda. Atrás de mim o silêncio congelante. Em seguida choro contido, em seguida choro com palavras incompreensíveis, em seguida o choro com soluços e o mantra da destruição:

"Como eu fui burra, eu sou uma idiota, como eu fui burra, eu sou uma idiota, como eu fui..." 

Olhei para trás e só havia um carrinho cheio de compras e o vazio que o Beto promoveu naqueles compreensíveis olhos tristes de Fulana.

É isto aí!