Conta a lenda que Açucena, o antigo Travessão de Guanhães, era uma grande aldeia dos índios Botocudos, que em 1824, foram supostamente desaparecidos com a instalação de um quartel com 80 praças, construídos por João Maciel da Costa, por ordem de D. Pedro I.
Nascia o arraial
com o nome de Travessão, com o principal objetivo de monitorar e fiscalizar o contrabando de pedras preciosas e ouro, que ainda sangravam desde Diamantina, Serro, Conceição e Itabira, saindo pela Estrada da Extração, passando pelo Itambé até Guanhães, onde uma estrada clandestina seguia em sentido ao Jequitinhonha à Belmonte, na Bahia e a outra descia por Açucena até o Rio Doce, descendo para Linhares.
Bem, até o final do século XIX, era o Vigário de Joanésia que celebrava a missa no povoado, já famoso por ser reduto de marginais foragidos do Serro, Conceição e Itabira, que se dedicavam às
atividades agrícolas cultivando o feijão, mandioca e milho. Um dos homens mais ricos dali era um tal de Dr. Raul, cujo título era por causas desconhecidas, mas supostamente era um dos protetores da rota de Linhares.
Mas Dr. Raul morreu subitamente. O velório estava muito entediante. Ele era destas pessoas que passam a vida metodicamente ritmadas com uma rotina de monotonia infinda. Morreu em Braúnas e como devem ser as mortes dos ricos, o translado em caixão de madeira de lei foi feito com um cortejo fúnebre pelos 25 Km de estrada, sob chuva fina, com orações, carpideiras, etc, durante cerca de doze horas de caminhada.
O corpo chegou à pequena Açucena lá pelas cinco horas da tarde. A neblina e a garoa daquele congelante dia prometia uma noite glacial. Aos poucos os familiares e amigos locais foram chegando
O velório foi marcado por discursos longos, prolixos e passionais. Falou o Padre, o delegado, o prefeito, dois vereadores, um suplente de deputado que se apresentou como representante do governador, falou a presidente da Congregação das Irmãs do Sagrado Coração, orou e chorou em discurso confuso o presidente da Conferência dos Vicentinos.
Falaram bêbados, trêbados e comatosos do álcool. As carpideiras foram um capítulo à parte, com duas supostas viúvas do Dr. Raul. Até que amanheceu. Caminharam todos para a Igreja, na Praça Central, para a Missa de Corpo presente. O padre caprichou na homilia e entre cânticos e encomendas, a celebração durou quase três horas.
O cortejo seguiu em silêncio para o cemitério, passando lentamente pelas estreitas ruas, parando em frente a uma ou outra casa, onde rezavam um Salve Rainha, uns cinco Pai Nosso e muitos Glória. Meio dia chegou à cova, morada definitiva. Do pó viestes, ao pó retornarás.
Ao iniciar o sepultamento, uma voz feminina gritou em estridente som agudo: "Para tudo, eu quero vê-lo pela última vez, eu tenho este direito". Todos se voltaram para a mulher, um monumento divino de rara beleza. Sobressaia de todos os demais. Era a amante oficial, residente em Peçanha e tolerada pela sociedade local.
O caixão viera lacrado, em uma época onde vidro era artigo de luxo. O delegado autorizou a abertura, com o coveiro providenciando um martelo para retirar os pregos. Ao abri-lo, para espanto geral, estava preenchido com o tronco de uma palmeira.
A maioria falou logo em milagre, mas em bocas miúdas conta a lenda que o respeitável doutor Raul fugiu com Izaurinha, uma mulatinha fogosa de dezoito anos, que moveu-lhe mundos, fundos e um sobrado nas Laranjeiras, no Rio de Janeiro, por muitos e longos anos.
É isto aí!
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