segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Entre pontos

Alto lá - Este texto não é meu
Copiei e Colei
Autora - Marta Godoi
Fonte - https://www.facebook.com/marta.siqueiradegodoisampaio?fref=nf

Minha avó desfiava o algodão dos caroços com mãos pacientes e firmes. Com os dedos em pinça ia transformando-o em fio grosso que ia fuso para afinar. A linha rústica resultante desse processo era enrolada em carretéis de sabugo de milho e tinha várias serventias - Costuras a mão, remendos, amarras de embrulhos e até como fio para atar as incisões feitas pelos capadores de porcos.(umas das cenas mais cruéis que já vi).

A chegada das máquinas de costura a mão e de pé mudou comportamento e imagem da grande família, composta por umas vinte pessoas. Isso trouxe novidades: a "linha comprada", a "costureira formada em Belo Horizonte" (minha mãe) e a compra de "peças" de tecidos que o meu entusiasmado avô comprava em São Domingos do Prata. 

Mulheres, além da lida com a casa iam à costura. Do trec trec da tesoura a cortar tecidos em formas curvas, retas, miudinhas sobre mesa de madeira, da cantoria dos pedais velozes e das peças que surgiam, eu com os olhos na altura da mesa, tinha a mais absoluta certeza de que aquelas mulheres eram mágicas. Elas eram para mim as mulheres mais poderosas do mundo. O enfiar da linha até a agulha da máquina era um dos rituais decisivos para pertencer a esse mundo. Era a garantia do ponto perfeito. 

No final do dia as máquinas eram cuidadosamente cobertas com panos brancos alvejados em anil. Eram relíquias. Um tempo depois, era só olharmos para os varais. Camisas, vestidos, saias, calças, calçolas, lençóis, panos de prato, toalhas de mesa. Quase tudo era feito com o mesmo tecido. Um dia, eu usava um tubinho de um tecido em algodão floral bem delicadinho, e, quando olho para o velador de madeira que era usado para coar café, o coador era feito com o mesmo tecido. Mimetização total com a casa, com as coisas da casa, com as gentes da casa. De fio em fio, de ponto em ponto e de peça em peça aquela casa sempre vestiu meu corpo, minha pele. E desse vestir posso, quando quero, como agora, desnudar minha alma.

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