quinta-feira, 3 de setembro de 2015

O crime do Adamastor




Há muitos anos atrás, numa distante e pacata cidadezinha no interior de Minas Gerais, teve um episódio que ficou registrado nos anais da vida pública. Para não comprometer, vou omitir a cidade e trocar o nome dos personagens. Tudo começou assim:





Naquele tempo as janelas eram baixas e davam para a rua. Adamastor sentiu-se mal de madrugada, e caia uma chuva torrencial. Dada a amizade, procurou direto o médico, ainda na casa deste. O doutor, sabendo da gravidade do quadro clínico do amigo, colocou-o na cama do quarto da frente, medicou, mas logo veio ao óbito.



Falando com a voz embargada, para a esposa, que estava em pé na porta do quarto, disse que Adamastor acabara de falecer de morte matada pelo aneurisma, e que sentia um grande pesar pela perda do amigo.





Deu que Vaguinho Cambota e Beto Saci, que por acaso passavam na frente da casa, não sabiam que ali estava também o amigo recém-falecido. Arregalaram os olhos e saíram espalhando: 





- Adamastor foi morrido de morte matada, o doutor falou.





Zé da Venda ouviu e falou para João Barbeiro, que disse ao Joaquim Carroceiro, que berrou para a Maria Manicure, que espalhou na feira até chegar na Dona Santinha, que correu e explicou para o padre, que divulgou no alto-falante da praça. 





Aí a população toda já falava só disto, e, clareando a manhã, a notícia chegou ao delegado que imediatamente correu no hospital, onde não havia o corpo. Suspeitando que deveria ter sido morto na sua fazenda, mandou o destacamento ir ao local de jeito ligeiro, no Jeep Willys Overland. Uma hora depois, todo mundo ansioso, retornaram com a notícia que estava tudo revirado.



Deu-se que, ao passar mal, em desespero, Adamastor procurou pela chave do GMC Marta Rocha 6500, para ir ao médico, e na pressa, bagunçou tudo, até achá-la na gaveta do criado mudo. Como deixou a porta aberta, o vento e a chuva acabaram por destruir o ambiente.



O delegado, nervoso, mandou o destacamento buscar o médico, que naquela hora já estava no hospital. Foi conduzido à delegacia a fim de prestar depoimento como testemunha do tal crime. O doutor não entendeu nada, mas chegando à repartição, debaixo de chuva, com um tumulto de dezenas pessoas na entrada, da porta mesmo a autoridade foi logo perguntando em tom alto e desagradável, quase aos berros, por que não era homem de perder tempo:





- O senhor, Doutor, confirma a morte do Adamastor?



- Sim, claro, confirmo. Mas o que está acontecendo aqui?



- Diga Doutor, o que matou o Adamastor?





- Bem, ele fez uma parada cardio-respiratória por falência. 





- Escreve aí, cabo, o Adamastor deu uma paradinha no tal do Cláudio e deu uma respiratória. Falei para ele largar mão disto de fumar, mas era teimoso demais. E nunca ouvi dizer que ele esta falido. 





- Bem, delegado, não é isto, até por que é comum morrer assim.



- Comum, doutor? É comum um homem bom daquele morrer assim? Está escondendo alguma coisa da gente?



- Não, claro que não. Eu tenho certeza de que quem matou mesmo o Adamastor foi o aneurisma.





- Entendi tudo, está dispensado, doutor. Cabo, reúna a tropa e vamos procurar este tal de Aneurisma, o desgraçado não deve ter ido longe. E levanta na rua se este Cláudio era cúmplice dele. Deve ter sido culposo o crime... coitado do Adamastor.





É isto aí!


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