terça-feira, 29 de setembro de 2015

Dalvinha na forma da lei

Dalvinha tinha dezoito anos e residia com a irmã e o marido, médico novo, educado, que a apresentou ao amigo, o entediante Dr. Torres, o mais antigo dentista da região, viúvo, com os dois filhos e netos morando na capital. Foi assim que a moça se viu casada com o odontólogo e tornou-se vizinha do delegado.

Então, certa vez, ainda de madrugada bateram na janela da autoridade policial. A patrulha comunicou que o médico tinha morrido. Levantou ainda tonto pela noitada anterior, acordou com dificuldade, dispensou os soldados e foi fazer um café.

Assim que abriu a porta dos fundos, para lavar o rosto no tanque, observou um vulto e percebeu que era a Dalvinha, com uma agilidade felina, pulando a cerca da divisa em direção à sua casa, provavelmente antes que o marido desse pela falta.

Tomou banho sem pressa, barbeou-se, procurou a melhor farda, e saiu a pé pela ladeira orvalhada em tons dourados do sol nascente, que lhe validava o apelido de Ladeira do Ouro.

Chegou à praça da Matriz, onde estavam diversas personalidades importantes, entreolhando-se e se perguntando como se deu uma morte tão rápida de homem jovem e pletórico?! Um conhecido das farras e carteado o puxou pelo braço e delatou sobre a suspeita de que o falecido estava de caso com a Dalvinha, e que talvez o dentista o tenha envenenado. Assim que falou e não viu nenhuma expressão no rosto do delegado, engoliu em seco, pigarreou, tossiu, sorriu sem graça, levou a mão na garganta e saiu em silêncio.

Passou na casa, cumprimentou e manifestou seus pêsames à viúva, visivelmente triste e abalada. Foi na farmácia comprar uma aspirina, mas o decano farmacêutico levou-o compulsoriamente até os fundos e  desabafou com sua voz rouca e asmática - delegado, eu acho que estou encrencado - estou tendo um caso com a Dalvinha usando o sobrado da loja para nossos encontros furtivos. Estou com medo, por que dizem que o médico também estava se relacionando com ela e vai que estas informações se cruzam. Eu sou inocente. Deu um abraço no velho amigo da família, encorajando-o - Para com isto, esqueça a Dalvinha e pronto. Não vou permitir que nada te aconteça.

No velório, o Dr. Fagundes, um juiz aposentado com seus quase noventa anos de vida, acenou para que aproximasse e pediu ajuda, pois vinha tendo uma relação intensa com a Dalvinha e parece que o médico também ... Com um forte aperto de mão no idoso, disse que iria resolver aquilo da melhor forma e que esquecesse a Dalvinha, pois existiam outras moças tão ou mais bonitas e disponíveis que ela, esperando por alguém.

As cantorias, as velas, os cochichos, as garrafas de café com biscoitos de polvilho, um bando de mulheres na cozinha e grupos espalhados pela mansão. O dia foi lento e tenso, com olhares, pudores, discursos e eventos lembrados com o morto. Um mês depois recebeu o laudo da autopsia, feita na capital, dando conta de uma falência súbita por uma cardiopatia grave, que era de conhecimento do falecido. Portanto, nada de crime.

Guardou silêncio, chamou os envolvidos com a esposa do dentista, e em conversas reservadas aconselhou ficarem longe dela, pois o laudo dava brecha para suposições. Tudo arranjado nas formas da lei, amasiou com Dalvinha, a quem jurou amor eterno e fidelidade.

É isto aí!

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