segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Xeba

Xeba era um garoto normal, com aspirações comuns à todos os meninos do bairro. Tinha sonhos, delírios e alucinações espontâneas que em nada diferenciavam dos outros garotos da cidade, do estado, do país, do mundo, do sistema solar e o escambau. Enfim, Xeba era normal.

Xeba era preto, negro, afro-descendente, nego, negão, e todas as variáveis pejorativas que os meritocratas descrevem em conversas reservadas em salões nobres da civilização. Mas isto não fazia dele outra raça - só existe uma única raça humana, com variáveis da tonalidade da pele. Enfim, Xeba era humano.

Xeba era pobre, muito pobre, família sem recursos, sem uma moradia digna, sem o conforto das vitrines, sem as roupas de marca, sem os tênis determinantes. Sua roupa, sempre limpinha, mantida pela habilidade manual da mãe, era sua armadura contra as tempestades do mundo.

Xeba amava seus pais que o amavam também. Estudava numa escola pública, dominada pelo terror, e todas as formas de terror eram comandadas por finos e elegantes senhores brancos da mais alta camada social da promiscuidade pungente, para que Xeba e seus iguais sempre se sentissem inferiores e violentos.

Xeba morreu numa tarde fria, chuvosa, numa esquina qualquer, de uma rua qualquer, ao passar por uma destas enormes catedrais de consumo. Só isto já bastou para fazer dele um suspeito. Nas manchetes estampadas em letras garrafais, a mídia subornada dava pelo tombamento de um perigoso meliante liquidado em troca de tiros com a lei, a justiça e a ordem.

Xeba morreu sem nunca ter dado um beijo de amor, sem nunca ter abraçado Rosinha, a menina mais linda da rua, sem nunca ter comido um sanduíche daqueles lugares bacanas, sem nunca ter tido a oportunidade de ter cometido um delito. É agora apenas uma estatística, um número perdido entre a realidade e a ficção de que somos todos iguais perante a lei.

É isto aí!

* Fonte da charge, cujo autor é Edidelson Silva:
http://arquivo.geledes.org.br/racismo-preconceito/racismo-no-brasil/13098-alo-e-do-iml-temos-um-suspeito-aqui-morreu-porque-era-negro

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