Diolinda nasceu delicada feito uma flor do campo e cresceu linda tal as noites de outono sem luar. Havia brilho nos seus olhos feito as estrelas e o relume do universo sem fim. Nova, bem nova, deu-se a enamorar aqui e acolá, com fernandos, mulambos, joões e josés, com marcos, antônios e andrés, com todo mundo conhecido e desconhecido que sua boca poderia alcançar, com seu sorriso alvo em orla carmim por sobre um corpo torneado pelo próprio criador.
O tempo andava, corria e corroía os sonhos. A moça franzia a testa em completa solidão, na angústia dos seus pensamentos . Diolinda sofria do mal do não amor - uma coisa que aprendera com os homens que tocaram sua pele e nunca entraram no seu coração. Era tão linda a ponto de ser só e somente só desejada, excluindo o amor das mulheres felizes para sempre nos seus sonhos de fadas.
Também nunca amou alguém, nem conheceu a dor da paixão, nem chorou com músicas tristes, nem fez juras secretas, nem suspirou atrás da porta - enfim, havia uma blindagem em seus sentimentos, que lhe permitia ser insensível, indolor e inalcançável nas coisas do amor.
De certa feita, numa volta no entorno da praça, conheceu e enamorou de Beto Manco, um mulato escovado, de andar gingado e fala macia. Já no olhar desejou ser dele para todo o sempre. Entregou-se como se aquilo fosse uma promessa cumprida. Era ele o dono do seu destino.
Passados os dias do encantamento e das ilusões perpétuas, o rapaz passou a se desviar das juras, atrasar no tempo dos diálogos criando aquele vazio entre as partes, e com o avançar das semanas deu de ser covarde, agredindo-a com sopapos, chutes, berros, tapas, socos, murros e indiferença.
Diolinda deu de definhar, desfaleceu das palavras, esmoreceu nos quereres, esvaiu nos prazeres, prisioneira de uma paixão louca, doentia, que sabia ser errada mas que não conseguia sair dela. Diolinda estava morta em vida e tudo o que sofria já não lhe tocava mais. Deu de andar nua pela casa, fazer suas necessidades aqui e ali, deixar a sujeira acumular, até que um dia saiu pela rua, onde foi morar aqui e ali, e deu de não dar mais nada de si ao mundo.
Numa desta noites geladas, foi levemente sacudida por um toque de mão calejada, que a fez pular de sobressalto, mãos em garra com unhas longas e imundas, procurando o agressor, que deteve seu golpe com agilidade e firmeza. E sussurrou - calma!!! calma!!!!
- Quem é você? O que quer de mim? Gritou desesperada.
- Diolinda, sou eu, Crispim.
- Você sabe meu nome? Crispim? Quem é você?
- Eu sou seu amigo de infância, fui seu vizinho. Vim te buscar assim que soube que estava neste estado. Eu estou aqui para te ajudar, vem comigo e poderá ter um lugar quente e acolhedor para viver.
Diolinda levantou-se semi-nua, suja, confusa e com medo. Deu-lhe a mão, e ele a cobriu com uma manta, levou-a para a sua casa, e a tratou, a vestiu, a confortou e a fortaleceu naqueles dois anos que se passaram. Voltara a ser linda por dentro e por fora, os pensamentos agora estavam alinhados, a vida lhe dera uma segunda e enorme chance de ser feliz.
Até que na festa de maio, na praça da igreja, a cidade toda ali reunida, música, comida, muita alegria e muito tumulto pela quantidade de pessoas de toda a região, enquanto pegava um algodão doce, sentiu um forte e dolorido beliscão entre as costelas, gritou e virou-se a tempo de ver Beto Manco puxar a mão do seu vestido, com seu jeito tosco e seu olhar de dor. De repente, como fumaça, sumiu no ar. Diolinda sentou-se ali mesmo no chão e chorou até não aguentar mais chorar.
Dali em diante a sua vida foi perdendo a consistência. Acamou-se, veio doutor, farmacêutico, rezadeiras, benzedeiras, o padre, o pastor, as beatas, teve novena na casa e nada a tirava da agonia. O que mais ardia no seu corpo era o estranho desejo de ter Beto Manco consigo, dizendo que a amava, e assim foi até o último e derradeiro segundo, no ultimo suspiro quando achou que ele a esperava na porta do Paraíso.
É isto aí!
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