sábado, 31 de julho de 2021

Mas o que é, afinal, felicidade? (Moacyr Scliar)


Alto lá, este texto não é meu
Confesso que copiei e colei
É um texto/crônica do Moacyr Scliar (1937/2011)
Fonte: ABL  (Academia Brasileira de Letras)

Mas o que é, afinal, felicidade?

A pergunta que desde a antigüidade clássica, nunca deixou de ser formulada, constitui-se em um desafio

A historinha é antiga, bem conhecida, e foi recontada por ninguém menos que o grande Italo Calvino. Havia um rei poderoso que de súbito foi acometido de profunda melancolia. Os médicos que o atendiam chegaram à conclusão de que, para melhorar, o soberano deveria vestir a camisa de um homem feliz. Emissários foram, portanto, despachados em busca do homem feliz, mas não conseguiam encontrá-lo: ninguém, no reino, se declarava feliz. Finalmente encontraram um jovem lavrador que, de torso nu, arava a terra e que deu uma resposta afirmativa à indagação: sim, ele se considerava feliz. Pediram, então, uma camisa dele. E aí a surpresa que encerra a historinha: o homem feliz não tinha camisa.

Não se sabe se, na ausência da terapêutica peça de vestuário, os médicos receitaram Prozac para o rei, mas a história faz pensar. O que é, exatamente, ser feliz? A pergunta que, desde a antigüidade clássica, nunca deixou de ser formulada (por filósofos, teólogos, educadores, políticos), constitui-se em realidade num desafio, sobretudo agora em que outros fatores entram em jogo, gerando polêmicas do tipo: são os homens mais felizes do que as mulheres, como sugerem algumas pesquisas? Se são, qual a causa desta diferença?

Vamos voltar, por um momento, à história do homem feliz. Vamos supor que ele tivesse sido convidado para conhecer o rei ou mesmo para morar na corte. Inevitavelmente teria de se vestir de acordo, o que exigiria, claro, uma camisa. Aí ele precisaria comprar uma camisa. E uma gravata. E um terno. E sapatos novos. E teria de mudar de profissão porque um homem de terno e gravata, um homem que foi recebido pelo rei, não pode mais ser um simples lavrador. Teria de conseguir uma coisa melhor, um novo emprego, quem sabe um cargo no governo. E pronto, eis o nosso homem possuído pela ansiedade de subir na vida. Será que a essa altura ele ainda se consideraria um cara feliz?

A felicidade é, antes de mais nada, um sentimento. Nas enquetes feitas a respeito, os investigadores limitam-se a perguntar se a pessoa se considera feliz, muito feliz ou infeliz. Não há um critério objetivo para a felicidade, que não se traduz em indicadores numéricos, como é o caso da obesidade. Mas uma coisa é certa: a carência extrema, o sofrimento extremo, são absolutamente incompatíveis com a ideia de felicidade. Não tem nenhum sentido perguntar a uma pessoa que está morrendo de câncer se ela se sente infeliz. O conceito aí é absurdo. 

A busca da felicidade, "pursuit of happiness" de que fala a Declaração de Independência dos Estados Unidos, colocava a felicidade em terceiro lugar na lista dos direitos inalienáveis, depois de "vida" e "liberdade". Mais do que isto, na Carta dos Direitos americana "pursuit of happiness" foi substituída por "property", propriedade. Claro: propriedade estava mais de acordo com o liberalismo econômico e é, diferente da felicidade, algo concreto que pode até ser registrado em cartório.

As pessoas começam a falar de felicidade quando têm suas necessidades básicas satisfeitas, em termos de alimentação, de moradia, de trabalho. Essas coisas são o pão; a felicidade é a manteiga, ou a geléia dietética, se vocês quiserem, ou até o caviar. Mas as pessoas não se contentam mais com pão seco. Querem mais, e nesta luta as mulheres têm se destacado. 

Mulher hoje tem emprego, tem seu lugar assegurado na sociedade e está até ganhando mais. Mas mulher continua sendo mãe e dona de casa. Daí a ansiedade, daí a tensão, daí o estresse. Daí a sensação de infelicidade. 

Freud dizia que a felicidade não está ao alcance dos seres humanos. O máximo que podemos almejar, na opinião dele, é uma "tranqüila infelicidade". Notem que, para o pai da psicanálise, a tranqüilidade neutraliza a infelicidade. E é mais fácil de alcançar, bastando para isto que adequemos nossos objetivos às nossas reais possibilidades. 

Se temos de usar camisa, que seja uma camisa cômoda, com colarinho folgado. E se tivermos de emprestá-la a um doente (rei ou não) que o façamos com satisfação e sem rancor.


quinta-feira, 29 de julho de 2021

A dor do adeus sem sentido


Tomou um café frio que estava no bule sobre a mesa, engoliu um pedaço de pão seco e sem gosto, limpou a boca com a mão direita, olhou mais uma vez para o relógio digital na parede e suspirou fundo. Saiu sob uma chuva intensa, guarda-chuva imenso mas pouco resolutivo perante a ventania que espalhava as águas. Desceu a ladeira escorregadia até chegar na praça da prefeitura, dali em diante o coração iria ter que aguentar.

Atravessou a praça, dobrou à esquerda no rumo da Matriz onde, ao passar, ignorou pela primeira vez o costumaz sinal da sua fé. Abaixou a cabeça e travou os pensamentos para que os céus não escutassem o que queria dizer. Não que rompera com a divindade universal, mas achou no direito de sentir-se traído pelas preces não atendidas.

A rua dali em diante ficava triste, com pessoas tristes nas janelas, calçada e paralelepípedos estupidamente tristes. Detestava aquele caminho, apesar de saber que um dia o faria como exatamente agora, num ritual dolorido, no qual portava seu corpo esquálido como féretro da sua consciência.

Chegou ao destino sem palavras, e de súbito vieram as lágrimas. Sentiu a culpa de não ter feito tudo que podia. Cumpriu todas as orientações das autoridades, comprou medicamentos totalmente ineficazes, acreditou que tudo aquilo passaria de forma lépida, sem maiores percalços a açoitar a vida. 

Naquela manhã despediu-se de três pessoas lacradas dentro de urnas, uma a uma sendo depositada sobre a outra num movimento fúnebre, horroroso e pavoroso. Ninguém, mas ninguém no mundo suportaria toda a sua dor. Viu baixarem de forma impessoal corpos ocultos sob aquelas caixas lacradas que ali demarcam o real momento de despedida.

Tudo que acreditava estava sendo enterrado, sentiu que desabaram todas as crenças que foram sendo construídas. Desejou nunca ter acreditado em pessoas tão más, porém agora, mesmo sabendo o quão indiferentes e cruéis são estas personalidades, tinha a certeza de que entrara um novo mundo, com duas crianças pequenas e uma solidão amarga.

É isto aí! 

Minha e Tua (Martinho da Vila)


Fonte da música: YouTube
Martinho Da Vila (letra/música)

Fonte da imagem: Les Candaces
Mon histoire, notre histoire mais aussi la vôtre
(Minha história, nossa história, mas também a sua)


Deus abençoa porque
Somos o sol e a lua
E quando há um eclipse
Minha vida é minha e tua

Num simples toque de olhar
Faz se sentir toda nua
E pra escandalizar
É só minha linda e pura

Vida minha

Minha
Tua
Minha
Tua vida é minha e tua

Vida minha

Minha
Tua
Minha
Tua vida é minha e tua

Ela é a terra virgem
Eu semente de paixão
Nossas lágrimas são chuva
Nossos corpos plantação

É uma afrodisia
A me fazer germinar
Desbravando o seu corpo
Sinto o tato das carícias
Que só eu posso provar

Vida minha

Minha
Tua
Minha
Tua vida é minha e tua

Vida minha

Minha
Tua
Minha
Tua vida é minha e tua


Fonte: Canal no Youtube de Martinho da Vila 
Music video by Martinho Da Vila performing Minha E Tua. (C) 1997 Sony Music Entertainment (Brasil) I.C.L
Música: Minha E Tua
Artista: Martinho da Vila
Compositor: Martinho da Vila
Álbum: Coisas De Deus
Licenciado para o YouTube por
SME (em nome de Columbia); Peermusic, Polaris Hub AB, UMPG Publishing, UMPI, BMI - Broadcast Music Inc., LatinAutor - UMPG, LatinAutorPerf e 8 associações de direitos musicais



quarta-feira, 28 de julho de 2021

Soneto da ausência


Faltou aquela música
com aquela letra lenta
e a melodia passional
explorando as lágrimas

E excedeu esta saudade
feito uma fenda no peito
em dizer coisas mágicas
para seu lado irracional

eu amo a sua impaciência
Tive os sonhos com você
louca, maluca, nós tesos

Não estou muito normal
vinho, vazios, dez desejos
beijando esta sua ausência.

É isto aí!  

Cartas de Amor de Martin Heidegger para Hannah Arendt


Martin Heidegger (1889-1976) filósofo, escritor, professor universitário e reitor alemão

Hannah Arendt (1906-1975) uma das filósofas mais influentes do século XX


Queridíssima! Obrigado por sua carta. Se eu somente pudesse dizer-te como sou feliz contigo, acompanhando-te enquanto tua vida e mundo se abrem de novo. Posso ver como entendeste e como tudo é providencial. Ninguém jamais aprecia a experimentação consigo mesmo. Por essa circunstância, todos os compromissos, técnicas, moralização, fuga e retração podem inibir e distorcer a providência de ser. 

Esta distorção gira em torno de como, apesar de todos nossos substitutos para a “fé”, não temos nenhuma fé genuína na existência em si mesma, e não entendemos como sustentar coisa como essa por nós mesmos. Esta fé na providência não perdoa nada, e não é uma fuga que me permitirá terminar comigo de uma maneira fácil. 

Somente essa fé — que como fé no outro é amor — pode realmente aceitar o “outro” totalmente. Quanto vi que minha alegria em ti é grande e em crescimento, isso significou que também tenho fé em tudo o que seja tua história. Não estou criando um ideal, menos ainda estaria tentando educar-te, ou qualquer coisa que se assemelhe a isso. Por sorte, a ti, como és e seguirás sendo, com tua história, assim é como te amo. 

Somente assim é o amor forte para o futuro, e não só o prazer efêmero de um momento. Somente então é o potencial do “outro” também movido e consolidado pela crise as lutas que sempre se apresentam. Mas tal fé também se encarrega de empregar mal a confiança do “outro” no amor. 

O efeito da mulher e seu ser é muito mais próximo das origens para nós homens, menos transparentes. Portanto, é providencial, mas mais fundamental. Temos um efeito somente enquanto somos capazes de dar. Se o “presente” é aceito sempre imediatamente ou em sua totalidade, é uma questão de pouca importância, E nós, quando muito, só temos o direito de existir se somos capazes de nos importarmos. 

Nós podemos dar somente o que pedimos de nós mesmos. E é a profundidade com a qual eu mesmo posso buscar meu próprio ser que determina a natureza de meu ser para com os outros. E esse amor é a herança gratificante da existência, que pode ser. E assim é que a nova paz se desprende de seu rosto, o reflexo não de uma felicidade que flutua livremente, mas sim da resolução e a bondade nas quais nas quais tu é inteiramente tu. 

Teu Martin.

E na cronostase não vai nada?


Como sabemos, Julho é o sétimo mês do ano no Calendário gregoriano, tendo a duração de 31 dias e deve o seu nome ao Cônsul / imperador romano Júlio César (100-44 a.C), que nasceu neste mês, quando ainda nem existia nem o Julho, nem o César e nem doze meses no calendário. Quando Julio César nasceu, o mês era conhecido como Quintilis em latim, dado que era o quinto mês do Calendário Romano, que começava em março.

E cá para nós, que mês longo foi este? Confesso que vivi a Síndrome da Cronostase. Sabe aquela coisa básica de que o tempo não é fluído nem na nossa percepção. Já notou que quando você faz uma viagem de carro pela primeira vez ela parece muito mais longa do que na segunda? Então!! São estas alterações de percepção temporal com origem fisiológica que são denominadas de Cronostase.

Ah! É isto! Puxa vida, achou que teria que tomar vacina, hem???

A Cronostase permite uma sensação de que o tempo parou ou está especialmente lento, e isto pode durar até meio segundo. A culpa desse efeito? Um negócio chamado Movimento Sacádico, que é involuntário e acontece o tempo todo, e que ajuda a termos uma noção detalhada do ambiente, mesmo quando nos concentramos em alguma coisa.

Espera, eu estava falando de Julho. Inverno, frio, vinho e pandemia. Domingo será mês que vem, depois vem dezembro e depois nem sei se virá mais alguma coisa, pois até lá já levaram tudo (como assim?? pense...).

A verdade é que tenho saudade de mim em tempo integral, do tempo que surfava em medalha de ouro na pressa da juventude.


É isto aí!

segunda-feira, 26 de julho de 2021

Carminha e Armandinho - Sonhos e Boleros



Vê aquela mulher de azul no fundo do salão sorrindo para este alguém que sou eu? Repare que neste momento colocou a mão na boca como quisesse esconder um sorriso discreto? Tenho por ela um apreço inestimável. Ela está olhando para mim, disfarce, disfarce, olhe para a lateral, deixe que os olhos dela me encontrem. A orquestra está tocando La Barca e ela, lindíssima, está vindo, ela está vindo ...

Armandinho, acorda! Armandinho ... acorda, Armandinho ...

Ahn!! Hum!! Hein!! Ah, é você, Carminha.

Não, é sua mãe. E com quem você estava sonhando?

Eu?? Sonhando?? Com mamãe.

Mentiroso, levanta e vai cuidar de trabalhar.

Só mais dez minutos ... zzzzzz ... a mulher de azul foi atravessando o salão, veio até a minha presença, sorriu um sorriso elegante, levantei-me e fomos dançar bolero - Sabor a mi - uau, aquilo era algo mágico. "Tanto tempo desfrutamos deste amor / nossas almas se aproximaram tanto assim /  que eu guardo teu sabor / mas tu levas também o meu sabor ..." e bolerávamos pela pista somente nossa.

Merda, Armandinho, acorda agora.

Qual é, Carminha? 

Este seu sorriso cínico, está sonhando com mulher.

Eu??? 

Eu te conheço, vagabundo. Levanta agora.

Carminha, hoje é domingo.

Sério? Puxa, desculpa então, Armandinho, pode voltar a dormir.

E voltou ao salão, a mulher de azul, o bolero, agora a orquestra tocava Historia de un amor - "Já não estás mais ao meu lado, coração / Na alma, eu só tenho solidão E se eu não posso mais te ver / Por que Deus me faz te querer / Para me fazer sofrer mais?"

Mas que merda é esta, Armandinho? Acorda, hoje é segunda-feira. Levanta seu vagabundo. Vai trabalhar.

Hum!! Ahn! Hem!! Carminha!! Estou atrasado, puxa vida, deixa eu correr.

Volta aqui, moleque, quero saber que sonho é este que te deixou com esta carinha de felicidade, volta aqui...

É isto aí!





domingo, 25 de julho de 2021

nulla dies sine linea



Nulla dies sine linea (nem um só dia sem uma linha) é uma expressão que ficou famosa no Latim,  atribuída a Plínio referindo-se a Apeles - Apeles (em grego Ἀπελλῆς) de Cós (fl. século IV a.C.) foi um renomado pintor da Grécia Antiga. Plínio, o Velho, a quem se deve o conhecimento deste artista (Naturalis Historia), considerava Apeles mais importante que pintores que o antecederam e precederam. Plínio situou Apeles na 112ª Olimpíada (332–329 a.C.), possivelmente porque pintou um retrato de Alexandre, o Grande.

Lembrei dela agora a pouco, pois já estava determinado a não publicar nada hoje, dado a um estado espiritual fragilizado pelas contingências e relevos da estrada da vida, mas independente de mim, segue a Terra sendo mãe e mundo com seus movimentos de Rotação; Translação; Precessão dos Equinócios; Nutação e o Deslocamento do Periélio.

Neste planeta com estes movimentos acima citados, estou numa jornada fantástica, no caminho místico de um universo de eventos, com uma força cósmica subjacente que cria e, destrói e cria e destrói e forma e deforma e deforma e forma este universo, promovendo surgimento e  desaparecimento de fenômenos que estão além da minha imaginação.

Quantos sentimentos tenho comigo? Muitos. E eles me governam. Não existe um sentimento único, todo sentimento é plural nesse sentido. Ademais, os sentimentos são diferentes entre si e podem se manifestar de diferentes formas dependendo do contexto e das minhas crenças, dores, esperanças desejos.

Então é isto. Estou triste, mas estou fazendo os movimentos que não me deixam parado, assim sigo a trilha da vida, motivado (ou não) pelas minha escolhas.

É isto aí!

sexta-feira, 23 de julho de 2021

Estivemos fora do ar




Já sei, já sei, já sabia.

Mas mesmo assim pessoas próximas cobraram uma declaração explícita. Bem, vamos lá:

Prezados/Prezadas leitores/leitoras, estivemos fora do ar, como alguns narraram pessoalmente, e isto é uma coisa muito engraçada. Fora do ar deveria ser um vácuo, e não estivemos no vácuo, estivemos sem conseguir abrir processos saneadores de problemas. Não consigo imaginar-me fora do ar e permanecer respirando o ar que para os outros está ... confuso isto daí. Enfim, estivemos sem acesso ao conteúdo plantográfico. 

Não tente corrigir o neologismo deste reino. Eu não quis dizer pantográfico, que é aquela coisa que se faz com um pantógrafo, (do grego pantos = tudo + graphein = escrever) que é um aparelho utilizado para transferir e redimensionar figuras e que pode ser regulado de modo a executar também ampliações e reduções nas proporções desejadas.

Plantográfico (do latim plantae = planta/plantar + do grego graphein = escrever) que é esta coisa que se faz ou pelo mesmo se tenta fazer aqui, ou seja - semear, adubar e florescer as palavras escritas neste reino da Pitangueira).  

Para facilitar, estivemos fora do ar por motivos (marque um, dois ou todos que achar conveniente):

01 - Passionais
02 - Ancestrais
03 - Umbilicais
04 - Neanderthais
05 - Colossais
06 - Abissais
07 - Gastrointestinais
08 - Congestionais
09 - Gramaticais
10 - Analfabetismo High - Tech
11 - O suporte estava indisponível

Marque a alternativa correta para a dúvida sobre o porquê das 11 alternativas:

A - Por que não foram 10 ou 12? Por que colocou 11 opções? 
B - Por quê não foram 10 ou 12? Por quê colocou 11 opções? 
C - Porque não foram 10 ou 12?  Porque colocou 11 opções?
D - Porquê não foram 10 ou 12? Porquê colocou 11 opções? 

Se rolar a tela, tem cola!

É isto aí!

























Dicas para o uso dos porquês

Por que = Usado no início das perguntas.
Por quê? = Usado no fim das perguntas.
Porque = Usado nas respostas.
O porquê = Usado como um substantivo.

É isto aí!



Inconcebível (Vittorio Medioli - OTEMPO)



Editorial: Publicado em 18/07/21 - OTEMPO
Fotografia: Dida Sampaio/AE

Se perguntar nas ruas se alguém concorda em atribuir R$ 5,7 bilhões aos partidos para custear suas campanhas, é provável que não se encontre um cidadão, entre os primeiros cem questionados, disposto a dar seu apoio.

Matérias legais tão importantes quanto o financiamento público dos partidos políticos e, mais ainda, do fundo de financiamento eleitoral (que a cada dois anos transfere alguns bilhões de reais para parlamentares e figuras políticas) nunca poderiam ser decididas pelos mesmos parlamentares interessados, como vem acontecendo. Apesar de os próprios constituintes, em 1988, terem tangenciado a proibição de “legislar em causa própria” – uma afronta aos alicerces da democracia –, preferiram limitar aos termos de uso de “impessoalidade” e “moralidade” as ações dos legisladores e de qualquer agente público.

O princípio da impessoalidade é de contornos vagos e sombreados; estabelece uma atitude de imparcialidade na defesa do interesse público, impedindo discriminações e privilégios indevidamente dispensados a particulares no exercício da função administrativa ou ao próprio legislador. Indiscutível, portanto, o dever de coibir a prática de atos que visem a atingir fins pessoais. Mais ainda quando em contraste frontal com o pensamento explícito da opinião pública.

Se perguntar nas ruas se alguém concorda em atribuir R$ 5,7 bilhões aos partidos para custear suas campanhas, é provável que não se encontre um cidadão, entre os primeiros cem questionados, disposto a dar seu apoio. A medida é repulsiva.

Quem paga a conta disso é a população, por meio de impostos, destacados ou embutidos, na compra do que lhe serve para sobreviver. Paga, assim, com privações para beneficiar principalmente o legislador que se atribuiu o Fundo Eleitoral.

O valor de R$ 5,7 bilhões representa uma dezena de milhões para cada um dos congressistas, concedendo-lhe a decisão de direcionar e gastar em favor da sua reeleição. E, ainda, com a disponibilidade de mais R$ 1 bilhão em repasse anual ao partido, somando em 2022 R$ 6,7 bilhões que sairão dos cofres públicos.

Nesse caso gritante de pessoalidade e direcionamento, deveria ser a população a referendar a decisão, como ocorre em países moralmente “evoluídos”. Como também o referendo deveria abranger a remuneração, as vantagens e as verbas indenizatórias dos parlamentares.

As decisões no Congresso se dão na calada da noite, sem coerência com parâmetros plausíveis, de regra em frontal divergência com o pensamento popular.

O que foi aprovado na última semana (R$ 5,7 bilhões de verba para o Fundo Eleitoral dos partidos) se choca com um país onde as privações fustigam mais de 50 milhões de indivíduos mergulhados abaixo da linha da pobreza.

Os 584 congressistas (apesar de 51 senadores continuarem com mandato) terão, assim, cerca de R$ 10 milhões cada um para custear a reeleição, além de outros R$ 2 milhões per capita da cota anual do Fundo Partidário.

Absurdo, pois o princípio constitucional da impessoalidade estabelece o dever de imparcialidade na defesa do interesse público, impedindo discriminações e privilégios indevidamente dispensados aos agentes no exercício da função administrativa. Existe nesse termo o imperativo de coibir a prática de atos que visem atingir fins pessoais, impondo-se a observância das finalidades públicas e dos interesses difusos.

Dever-se-ia recorrer nesses casos ao plebiscito, que é convocado com anterioridade a ato legislativo ou administrativo, cabendo ao povo, pelo voto, aprovar ou denegar o que lhe tenha sido submetido. Ou ainda o “referendo”, que é convocado com posterioridade ao ato legislativo ou administrativo, cumprindo ao povo a respectiva ratificação ou rejeição.

De qualquer forma, não poderia a decisão em causa própria prosperar antes do pronunciamento da população convocada a escolher ou ratificar.

O que agrava neste momento a decisão dos parlamentares é a exorbitância dos valores, já que nas eleições de 2018, primeiro ano em que vigorou o insano Fundo Eleitoral (também não referendado), o valor foi de R$ 1,71 bilhão, quando o salário mínimo era de R$ 937. Ou seja, o fundo correspondeu a 1,83 milhão de salários. Estarrecedor que em apenas quatro anos, com o salário mínimo de 2021 em R$ 1.100, os parlamentares tenham elevado o fundo para 5,18 milhões de salários mínimos, decretando para si um aumento real de 332%. No mesmo período o salário mínimo registrou uma evolução de apenas 17%.

quarta-feira, 21 de julho de 2021

Cinco anos de solidão


Em agosto, Pindorama fará e ou comemorará e ou regozijará cinco anos de solidão. Haverá espaço para mais gozo pelos arrependidos dentre aqueles voluntariosos ingênuos da pátria que abraçaram a causa?

Para os romanos. ‘gaudium, ii’ significava alegria, satisfação, regozijo. Terencio dizia ‘lacrimare gaudio’ para expressar ‘chorar de alegria’, e Cícero, ‘gaudiis exultare’, com o sentido de estar transbordante de alegria.. Já na Política, o Gozo precede o mal estar.

¹"Freud escreve o Mal-estar na civilização para dizer-nos que tudo o que passa do gozo à interdição vai no sentido de um reforço sempre crescente de interdição. Todo aquele que se aplica em submeter-se à lei moral sempre vê reforçarem-se as exigências, sempre mais minuciosas, mais cruéis de seu supereu. Por que será que não ocorre o mesmo no sentido contrário? Não é absolutamente o caso, é um fato, e todo aquele que avança na via do gozo sem freios, em nome de qualquer forma que seja de rejeição da moral, encontra obstáculos cuja vivacidade sob inúmeras formas nossa experiência nos mostra todos os dias, e que, talvez, não deixam de supor algo único na raiz " (Lacan, 1959-1960/1988: 216-217).

²O paradoxo se entende, pois, pelo fato de que uma total submissão do sujeito à Lei e a moral não produz uma extinção do mal-estar; pelo contrário, como nos diz Freud, "são precisamente as pessoas que levaram mais longe a santidade as que se censuram da pior pecaminosidade" (Freud, 1930/1974: 149).

²Ou seja, quanto mais submisso à lei moral, mais cruel se apresenta o supereu para o sujeito. Podemos concluir que a ignorância imperativa da moral desconhece que, em sua tentativa de gerir o gozo, de aniquilá-lo, ela o produz na forma da submissão superegoica. O sujeito fica aí numa condição de apatia, subsumido à vontade de gozo do Outro.

Fonte² : O Gozo e o Poder 

É isto aí!

terça-feira, 20 de julho de 2021

Vista lateral na fila dos diálogos difíceis

- O próximo
- Sou eu.
- Você?
- Puxa vida, mal a reconheci.
- Você esqueceu mesmo de mim, hem!
- Nunca esqueci você, mas a da lembrança era diferente.
- O que você quis dizer com isto?
- Nada.
- Sempre o mesmo covarde.
- Eu tenho culpa de você estar mais bonita?
- Então me abandonou por que eu era feia?
- Não abandonei você.
- Não? Tem certeza? Covarde e mentiroso.
- Tenho certeza. Você mora dentro de mim.
- Sabe o que eu passei sem você?
- (silêncio)
- Tive abraços e beijos que nunca desejei.
- (silêncio)
- Tive momentos de completa solidão.
- (silêncio)
- Experimentei a dor da ausência, da sua ausência.
- (silêncio)
- Não vai falar nada?
- Não tenho argumentos que vençam sua mágoa. Adeus!
- Ei, volta aqui, eu ainda não acabei ...


Fonte da Imagem:
 The Shop Around the Corner (cena do filme USA 1940)
Obs.: Apenas utilizei a imagem - Não há este diálogo no filme. O filme The Shop Around the Corner, com Jimmy Stewart e Margaret Sullivan, que no Brasil ficou conhecido como A Loja da Esquina , trata-se de uma excepcional comédia romântica, clássica de Hollywood, sobre uma pequena loja em Budapeste e as pessoas que lá trabalham.

É isto aí!

segunda-feira, 19 de julho de 2021

Silenciosa Nostalgia (Milan Kundera)

Não quero dizer com isso
que havia deixado de amá-la,
que a esquecera,
que sua imagem desbotara;

ao contrário; 

ela morava em mim dia e noite, 
como uma silenciosa nostalgia; 

eu a desejava como se desejam 
as coisas perdidas para sempre


Fonte da imagem: 123RF

Sobre o autor:  Milan Kundera (1929) é um escritor e poeta tcheco, naturalizado francês. Autor de importantes obras, como - A Brincadeira, O Livro do Riso e do Esquecimento e A Insustentável Leveza do Ser - que o levaram a se tornar um dos mais consagrados escritores do século XX.

O Paradoxo de Moravec


As pessoas têm dificuldade em resolver problemas que exigem alto nível de raciocínio. Por outro lado, as funções motoras básicas e sensoriais, como caminhar, não são problemas.

Nos computadores, no entanto, os papéis são invertidos. É muito fácil para os computadores processarem problemas lógicos e complexos, como a elaboração de estratégias de xadrez por exemplo, mas é preciso muito mais trabalho para programar um computador para interpretar discursos, caminhar, sentir cheiros ou tomar decisões baseadas em aspectos subjetivos, o que o ser humano faz com facilidade.

Esta diferença entre a inteligência natural e artificial é conhecida como paradoxo de Moravec. Hans Moravec, um cientista de pesquisa no Instituto de Robótica da Universidade Carnegie Mellon, explica esta observação através da ideia de engenharia reversa nos nossos próprios cérebros.

A engenharia reversa é mais difícil para tarefas que os seres humanos fazem inconscientemente, como funções motoras. Porque o pensamento abstrato tem feito parte do comportamento humano há menos de 100 mil anos, a nossa capacidade de resolver problemas abstratos é consciente.

Portanto, é muito mais fácil para nós criarmos tecnologia que emula esse tipo de comportamento. Por outro lado, ações como falar e mover-se não são aquelas que temos de considerar ativamente, por isso é mais difícil de colocar estas funções em agentes de inteligência artificial.



O paradoxo de Moravec brinca com as nossas intuições de fácil e difícil. Ele literalmente transforma o fácil em difícil e o difícil em fácil. Ele diz o seguinte: é mais fácil fazer uma inteligência artificial realizar tarefas intelectualmente complexas, tipo ganhar do campeão do mundo de xadrez, do que realizar tarefas consideradas fáceis, que geralmente crianças conseguiriam fazer. Você consegue resolver esse paradoxo?



*Fonte do Texto: Paradigmas e Paradoxos:



domingo, 18 de julho de 2021

Discutindo a relação


Mentira, 
disse com o dedo em riste. 
Mentira! 
Exclamou com garbo e indiferença.

Ela olhou dentro dos seus olhos, 
com olhar amendoado e meigo, 
sem o desejo de triscar.

Não vai falar nada? 
O silêncio é a sua resposta?
Então é assim que funciona?

Ela adentrou seus olhos, 
com um ar doce e passional, 
sem vontade de falar.

Vai demorar este teatrinho? 
Vai ficar muda? 
É só o que sabe fazer?

Ela penetrou sua consciência, 
com o encanto peculiar, 
sem querer se pronunciar.

Vai ficar só me olhando
neste teste de mudez repentina? 
Que coisinha chata.

Ela resgatou suas memórias afetivas, 
com a expertise feminina, 
sem piscar, sem falar, sem pressa.

Aí ele começou a chorar ...


É isto aí!


sábado, 17 de julho de 2021

Haikai de Helena Kolody


tão longa a jornada!

e a gente cai, de repente,

no abismo do nada

Helena Kolody (1912-2004), primeira mulher a escrever e publicar haikais no Brasil, este gênero de poesia de três linhas, foi uma poetisa brasileira, considerada uma das maiores representantes literárias do Estado do Paraná.

quinta-feira, 15 de julho de 2021

Encontros




Encontrei comigo
dia destes por aí
tentei ser educado
mal me contive

Parti logo aflito
para a área de conflito
qual é a sua de você
não ser meu amigo?

Tentei explicar o fato
inexplicável da dor
na vida que sigo.

Enfim dei-me a mão
abracei-me com força
nunca mais me abandono
 
É isto aí!




terça-feira, 13 de julho de 2021

Bateu saudade!


Pensou
numa
palavra
inédita
intrépida
a fim de
aquiescer
um rumo.
Aí bateu
desânimo.
Plano
fugaz
insólito.
Se se ama
só se ama
uma vez.
Saudade
quando 
invade 
não tem
sinônimo.

É isto aí!

segunda-feira, 12 de julho de 2021

Por um lindésimo de segundo (Paulo Leminski)

 

tudo em mim
anda a mil
tudo assim
tudo por um fio
tudo estivesse no cio
tudo pisando macio
tudo psiu

tudo em minha volta
anda às tontas
como se todas as coisas
fossem todas
afinal das contas

Paulo Leminski

183 LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 182.


No rastro da sua biografia



Rogo que crave em cada pecado
que na vida foi aperfeiçoando
e que deixará como legado
no rastro da sua biografia
junto à a alcunha de ladrão
autointitulada pela astúcia
não só apenas um ladrão,
mas tudo que envolve a trama

Daí virão os adjetivos
uns clássicos, outros cultos
uns elegantes, outros malditos
você não é apenas um ladrão,
mas também levará consigo
o que a sua existência construiu.

Larápio, trapaceiro, capoeiro
furtador, gato, gatuno
ladro, manata, pilha
pivete, punga, punguista
rato, ratoneiro, roubador

trombadinha, argamandel
bilontra, burlador, burlão
caloteiro, cambalacheiro
desonesto, escroque, esperto
falcatrueiro, intrujão, ludibriador

pandilha, patife, pilantra
safado, solerte, trambiqueiro
trapaçador, trapaceador
trapacento, tratante, velhaco
vigarista, enganador, espertalhão.


É isto aí!


Meu coração fugiu


Doutora, 
meu coração fugiu
não está mais aqui

Fugiu como?
Para onde,
se o ausculto bem? 

Não sei deste aí.
Meu coração pulsava,
urdia, ardia e surdia.

Frequência ótima
pulsação normal,
nada aqui ou ali.

Esquece, doutora,
meu coração fugiu
para longe de mim.

É isto aí!

domingo, 11 de julho de 2021

O Analista da Pitangueira - Sobre perdas e lugares.


- Boa tarde, eu queria registrar uma perda.

- A senhora veio ao lugar certo.

- E existe lugar errado?

- Não que eu saiba. Qual a razão da dúvida?

- Vai que perdi num lugar errado, aí não seria aqui.

- Fique tranquila. Só há um lugar e é aqui.

- Bem, fico mais aliviada em saber.

- A senhora perdeu o quê, exatamente?

- Então!!!!! Perdi tanta coisa, só não perdi ainda a Senhorita.

- Ah, sim! Entendi. Podemos listar tudo, se a senhorita preferir.
   
- Olha, melhor deixar. Muito obrigada pela sua atenção.

- Tem certeza? Estou aqui para atender no que for preciso para encontrar o que perdeu.

- É que eu não sei o que perdi, apenas sinto faltas, ausências, vazios.

- A senhorita poderia explicar com mais detalhes?
 
- Acho que sou uma pessoa que tem tudo que necessita e, entretanto, sinto um profundo vazio em meu interior. Minha sensação é que a existência não tem sentido, mesmo quando o meu ambiente demonstra exatamente o contrário. Sofro de um permanente estado vital paralisante.

- Entendo, senhorita.

- Você está sendo apenas empático ou realmente entende?

- Estou sendo sincero. 

- E eu sendo grossa e desagradável.

- Não, nada disto, é apenas a sua dor que está falando. Sei que aí dentro mora uma pessoa maravilhosa.

- Sabe? Como sabe?

- Não sei ainda, mas pretendo saber junto com a senhorita.

- Meu santo anjo da guarda, o senhor saberá todo o meu ser existencial, emocional, racional, sexual, comportamental, moral etecetera e tal?

- Não senhorita, com certeza. Mas daremos ênfase à partes dolorosas, digamos assim, ao se permitir aprofundar na sua existência e levar luz onde tem a escuridão. 

- Por que você se interessou por mim?

- Senhorita, eu busco as coisas perdidas e não sossego até encontrá-las. É minha missão.

- Puxa vida! Como faço para dar prosseguimento? Aqui é o que exatamente?

- Basta agendar, vou atende-la uma vez por semana, sempre neste horário. 

- Mas o que é aqui exatamente?

- Este é o lugar onde a senhorita encontrará o que procura. Tenha uma boa tarde. 

- Puxa!! Até semana que vem!! 

É isto aí!

sexta-feira, 9 de julho de 2021

A singularidade do acaso antes de partir.


Marido chega em casa pela madrugada, lua nova, céu estrelado e a mente nebulosa. Entra bem devagar, tira os sapatos e caminha para o quarto. Para na porta, decide ir para o banheiro, faz as ações esperadas, resolve tomar um banho quente e demorado. Enrola na toalha, vai à cozinha e faz um lanche reforçado. Sobre a mesa uma garrafa vazia de vinho rosè e apenas uma taça. Acha estranho, mas passível de ocorrer.

Passa pelo quarto das crianças, abre a porta a fim de dar uma conferida e não vê nenhuma delas. Devem estar com a mãe, pensou. Volta ao banheiro, escova os dentes e ainda de toalha segue para o quarto. Abre a porta devagar, não acende a luz, e apenas liga o celular para iluminar um pouco o caminho. Não vê as crianças - devem ter ido dormir na casa da avó, pensou.

Na cama, em pose sensualíssima e com lingerie erótica, descansa a esposa. Nunca havia reparado que ela era tão formosa. Jogou  a toalha no chão, desligou o celular e foi aproximando da musa da sua vida. Se entregaram a um desejo há muitos anos latente. Tudo sob a lua nova e o brilho das estrelas.

Amanheceu com um grito desesperador ao seu lado. Acordou assustado, deu um salto com extrema agilidade, ainda nu, e ao olhar para a fonte do grito, deu com a vizinha estarrecida com a situação. - Eu posso explicar, disseram ambos concomitantemente. Se entreolharam - não sei como isto aconteceu, disseram novamente em uníssono. Sorriram diante da singularidade.

Vestiram-se duas horas depois, ele seguiu para sua casa e ela seguiu com a sua vida. Mudou-se naquela mesma tarde para local incerto e não sabido. Não pelo evento, a família foi na frente e ficou apenas para despachar a mudança.

É isto aí!

quinta-feira, 8 de julho de 2021

A moça do vestido godê rodado


 
Foi acordando e telefonou logo cedo para agendar um horário com a dentista. Ninguém atendeu. Achou aquilo estranho, mas poderia ser coincidência. Era a terceira ou quarta vez que ligava e ninguém atendia. Será que ela me abandonou? Estranho, muito estranho, nos vimos semana passada, nos demos um ao outro a permissão de sentirmos nossos desejos interpessoais e agora isto.

Voltou a dormir e no sonho a encontrou num café, destes com mesas na calçada. Conversavam carícias, carinhos, contos de calor humano e tantas outras coisas que se conversa com uma dentista. Surgiu então uma moça muito bonita, num vestido godê rodado, parou à sua frente e fez a pergunta difícil - olá, você se lembra de mim?

Olhou para a moça, ficou encantado com sua beleza, mas de repente reconheceu nela uma senhora de 90 anos, depois olhou com atenção e surgiu uma mulher com cerca de 50 anos e só então retornou à moça do vestido godê rodado. Ao virar o rosto para a dentista, ela havia desaparecido. Procurou-a com os olhos e voltou à moça, que já não se encontrava mais ali. 

Colocou a mão direita na testa, fechou os olhos e tentou entender o que estava acontecendo. Ao abrir estava sentado na beira da cama, num quarto que desconhecia. O telefone, daqueles modelos antigos de mesa, toca. Atende e era a dentista confirmando o horário. Sorriu, suspirou aliviado e foi tomar um banho.

Ao abrir a porta do banheiro, deparou com a moça do vestido godê rodado, em pé, escovando os dentes. Olhou-a com ares de indagação, recuou, fechou a porta e ao dar o primeiro passo, percebeu-se nu em plena Avenida Rio Branco, na altura da Halfeld, no centro da pequena  e pacata Juiz de Fora, simpática vila do interior mineiro. Reconheceu a esquina e olhou para onde deveria existir o painel "Cavalinhos", de Portinari, e lá havia o desenho da moça de vestido godê rodado. 

Uma delicada mão feminina tocou no seu ombro e disse algo suave. Virou-se assustado e agora estava num imenso sofá, sendo acordado pela dentista. Abraçou-a e se pôs a chorar até a exaustão do choro. Levantou-se, recompôs a mente, os pensamentos, tomou um banho e saiu. Na rua deu-se conta que não sabia onde estava, tentou retornar ao prédio, mas não havia nenhum prédio. Em pânico, sentou-se no meio fio e uma mão suave tocou-lhe o ombro. Era a moça do vestido godê rodado. 

Está preparado? - perguntou a moça.

Acho que sim, respondeu.

Deram-se as mãos, tomaram uma distância da rua até encostarem numa parede, olhando-o com carinho, ela  perguntou - pronto?

Pronto.

Correram na direção da rua, saltaram do meio fio e mergulharam no infinito. 

Quando voltou a si, na cadeira do consultório, a dentista, sorrindo com os olhos, perguntou - está tudo bem?


É isto aí!


quarta-feira, 7 de julho de 2021

Odete, a imortal da Academia de Fetras do Paranoá


Nesta fria noite de inverno fui acordado pelo zoar do meu simpático e descartável smart oriental, o décimo segundo smart oriental pós Nokia, o imbatível analógico, guardado no cofre como garantia finlandesa de que tudo que é bom deve ser conservado. Não reconheci o número, mas o prefixo era de Brasília. Atendi e, puxa vida, era Odete, a imortal da Academia de Fetras do Paranoá.

Reza a lenda que certa vez, numa polêmica CPI regada a muito whisky, com ambiente mais animado que a Sunset Strip em Los Angeles nos anos 1970, onde ninguém era de ninguém, Odete entrou na área vip como back vocal de um famoso sexteto sertanejo cantando Love Street do The Door, em ritmo guarânia. No meio do caos, vendo o fiasco do processo, sob vaias felpudas,  Odete viu a luz e teve a clareza súbita de realizar um inenarrável, inesquecível e épico strip-tease da lanterna. Naquele dia e naquela hora transformou-se na musa Imortal da Academia de Fetras do Paranoá, pois nada se comparava à sua beleza natural, segundo confessou emocionado um dos velhinhos do senado, diretor presidente do Clube Oficial de Pubefilia de Pindorama (o famoso COPPIN).

- Odete!!! Puxa vida!! Você? Aqui?

- Sim, amore, ¡soy yo misma!

- Caramba, como estou feliz!!

- Sério? Você me abandonou, me trocou por aquela fulaninha e agora está feliz?

- Calma, Odete, eu não troquei você por nenhuma malabarista ...

- Eu sabia! Eu sabia! Finalmente confessou!

- Odete, o que a trás aqui às três horas da manhã, me fazendo feliz?

- Mudou de assunto, mas tudo bem, já vi que a concorrência é desleal. Mas amore, eu liguei por que precisava te contar algo que está entalado na minha garganta, sem carinho, sem premissas, sem o aconchego da luz neon. 

- Abra seu coração, querida!

- Uau!! Me chamando de querida! Gostei!! Como sabe, só revelo as coisas quando as fontes são fidedignas.

- Sim, claro, querida, sei disto.

- Uau, segundo querida da madrugada. Amore, vem me ter em Brasília ...

- Odete, minha flor, vamos nos ater ao assunto, depois vamos ao nosso deleite.

- Magoadinha ..., massimboralá. Dia destes estava curtindo o inverno planaltino na piscina coberta e aquecida do Telinho Golpan, famoso por ser colecionador de coisas que importam, digamos assim. Ao meu lado conversavam animadamantes a Juju Traíra com uma pessoa que não estou autorizada a identificar, mas você sabe quem, aquela pessoa daquele dia que eu falei sobre aquele assunto, onde contei aquelas coisas que aquela pessoa seria e foi capaz de fazer com euzinha.

- Sei quem é, Odete. Só não sabia que ele foi capaz de fazer com você.

- Então, amore. Fez, foi bom e foi ruim, mas foi gostoso, mas doeu, mas foi excitante, mas ...

- Tudo bem, Odete, já entendi.

- Então, depois daquele dia, encontrei com Margô, que disse ter escutado do Escovinha, que por sua vez soube através da Gagal, que por sua vez ouviu de sua amante Cacá, que é íntima confidente do Tiaguinho, namorado ficante da Juju Traíra, que esta confidenciou ao Tiaguinho, que é como um irmão para mim, que ouviu daquele que não posso falar, que ele autorizou à Betinha, uma prima distante, dar seguimento à operação oceânica.

- Muita gente, hem!!

- Amore, toda história secreta tem enredo de validação. 

- Mas o que vem a ser esta operação oceânica?

- Então, amore. Fiz a mesma pergunta à Margô. Dias depois, Margô me convidou para um exercício tântrico de libertação total, com Teófillus, que teria a resposta a esta pergunta, segundo levantou Margô com Afonsinho, seu personal sex trainer. 

- Personal sex trainer? Existe isto?

- Cala a boca e me escuta, amore. Teo é o mago tântrico do Paranoá. Como todo mundo aqui, ele também trabalha para o grande sistema, na quinta secretaria do sexto departamento da terceira diretoria vinculada ao quarto escalão do segundo ministério. Após o ápice do ser/estar do exercício tântrico, naquele momento de intimidade e ternuras, Teo comentou que na véspera estava no banheiro do departamento fazendo um dossiê ultrassecreto, quando ouviu no banheiro ao lado dois distintos cavalheiros, um conhecidíssimo e o outro, que é o sombra daquele que não estou autorizada a identificar. 

- Estou atento

- Então, segundo relatou o Teo, o Sombra dava instruções claras ao distinto cavalheiro de como aprovar a lei que coloca Pindorama anexa ao que verdadeiramente interessa de fato. Apresentariam dois geólogos da percepção esférica e dois da percepção plana, os quatro de fama internacional, afirmando que uma extensão de terra submarina que vai daqui ao norte é a prova concreta que valida a conexão e a adesão de fato e de direito ao dono deste quintal.

- Querida, nem sei o que dizer, é muita informação ...

- Amore, esquenta com isto não, vem me ter em Brasília, vem. E para de desligar o wi-fi para dormir, assim poderei ligar e mostrar minhas qualidades de manejo dos cinco sentidos. Vem, amore, vem logo me ter em Brasília, larga daquela fulaninha ...

- Sim, espere, vou ligar o ... tum tum tum ... droga, desliguei a ligação sem querer.

É isto aí!!

terça-feira, 6 de julho de 2021

O que vou escrever aqui não é da sua conta.



É engraçado sair pelas ruas e avenidas da rede e ver pessoas até há poucos dias arrogantes, estarem com aquele olhar de indiferença, como se não fossem eles os cúmplices de tudo isto que está aí. Destilaram ódio por anos a fio sem pestanejar, agrediram pessoas, processos, ideologias, e se não fosse isto o suficiente, transgrediram leis, mentiram, distorceram a realidade só para se adequar ao seu mesquinho  interesse de gozo do poder pelo poder.

Não sei como desvencilhará o que está cada dia mais soçobrando pelo conjunto da obra atual, pode ser que aconteça ou não algo mais extremo, mas de qualquer forma perdemos todos. Sinto muito pela geração que nasceu neste século e que colherá apenas um fragmento do que outrora foi um projeto de futuro.   

Não vejo o ex-presidente como uma solução, nem sequer como viável para resgatar o progresso. Teve sua oportunidade. Há uma cultura política no país de castração de novas lideranças, e desde a década de 1980, sem exceção, todas as lideranças castraram as novas potenciais lideranças, de tal forma que até hoje quando precisamos avançar, a única coisa que fazemos é olharmos para trás.

O que temos de concreto é que o medo do novo é atávico na cultura política do país

Fomos capazes de fazer o inacreditável e agora não vejo saídas a curto prazo. Neste momento nenhuma opção colocada na mesa expõe suas ideias, seus projetos, as modelações e remodelações, bem como atos revogatórios de ações que destruíram a capacidade deste país ter um futuro do presente real e tangível. Isto que está hoje nas ruas, avenidas e palanques virtuais apenas permite que nada avance novamente e que apenas continue como está.

Imagem: Independência ou Morte, 1888, óleo sobre tela, 415 cm x 760 cm, Pedro Américo, Museu Paulista da USP, São Paulo.

É isto aí!

segunda-feira, 5 de julho de 2021

Vamos falar das políticas públicas em prol do bem comum



- Alô, eu gostaria de falar com Vossa Excelência sobre as políticas públicas em prol do bem comum

Ok! Entendi! Vamos falar das políticas públicas em prol do bem comum

Vamos falar das políticas públicas em prol do bem

Vamos falar das políticas públicas em prol

Vamos falar das políticas públicas

Vamos falar das políticas 

Vamos falar

Vamos 

- Tem como me transferir para um humano?

Ok! Entendi! Aguarde

Aguarde, sua ligação

Aguarde, sua ligação é muito

Aguarde, sua ligação é muito importante

Aguarde, sua ligação é muito importante para nós.

Aguarde, sua ligação é muito importante para

Aguarde, sua ligação é muito importante ...

- Vai demorar?

Ok! Entendi! No momento todos os nossos atendentes estão ocupados, por favor aguarde em breve você será atendido

No momento todos os nossos atendentes estão ocupados, por favor aguarde em breve você será atendido

No momento todos os nossos atendentes estão ocupados, por favor aguarde em breve

No momento todos os nossos atendentes estão ocupados

No momento todos os nossos atendentes estão

Aguarde! Vamos transferir sua ligação.

Aguarde! Vamos transferir 

Aguarde

Atenção, Isto é uma gravação. Após o sinal, desligue. Seu número já está registrado no sistema, nos sistemas, no sistema, num sistema, noutro sistema ...

No momento nossas Políticas são exclusivamente Privadas. Políticas Públicas não é mais neste numero.

Senhor X, para sua segurança comunicamos que o senhor já foi identificado pelos nossos sistemas.

Temos todas as informações ao seu respeito e seu questionamento está gravado no nosso sistema. 

Agradecemos o seu contato e a sua preocupação em prol do bem comum.

Nós somos o bem comum! Passar bem!

tum tum tum tum ... 

silênciiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiioo


É isto aí!



domingo, 4 de julho de 2021

quinta-feira, 1 de julho de 2021

O paradoxo do seu olhar



Vou partir

e buscar o não 

o impossível

o imponderável

o indivisível

o imaginário

e quando chegar

não volto mais

ao paradoxo

do seu olhar

lendo Maiakovski:

"Afora

o teu olhar

nenhuma lâmina me atrai com seu brilho.

Amanhã esquecerás

que eu te pus num pedestal,

que incendiei de amor uma alma livre,

e os dias vãos — rodopiante carnaval —

dispersarão as folhas dos meus livros...

Acaso as folhas secas destes versos

far-te-ão parar,

respiração opressa?"


É isto aí!


Trecho do Poema incidental  Lílitchka! (Em lugar de uma carta), escrito em 1916 pelo poeta russo  Vladimir Maiakovski, com tradução do poeta Augusto de Campos.

Imagem: Nude gold doodle on black background



Sobre nós


Humanos,

centenas

de milhares,

covardemente

silenciados.

Judas

vendeu-se

por

trinta 

moedas

de prata.

Hoje

o custo

é apenas

um George.

 

É isto aí!


Fonte da imagem: Mistérios da Numismática - Moeda de Prata do século I