terça-feira, 25 de outubro de 2022

O olhar fatal do adeus

Pensou rapidamente o que dizer e as palavras não saiam. Duas graduações de curso superior, três especializações, sendo a última na Inglaterra, e as palavras não saiam. Na realidade nunca saíram; aquilo chegou no ponto que chegou por muitos motivos, mas o principal era que nunca falava, nem expressava magoa, ódio, rancor, tristeza ou quaisquer outros sentimentos.

Sempre que ela citava a motivação, crenças e valores, passava como um letreiro na sua mente a frase lida muitas vezes no banheiro do bar que frequentava antes da união estável: - Na subida do Everest existem centenas de corpos abandonados. Lembre-se de que cada cadáver ali largado pelos amigos já foi um dia uma pessoa altamente motivada. 

Ela dizia calmamente com a voz rouca e compassada: - Perdeu o emprego de novo? Empreenda, já falei isto tantas vezes para você. Novo letreiro passava na mente - É fácil dizer isto, mas tente explicar para um motoboy que aquilo não é empreendedorismo e ela fala como se o empreender fosse uma fórmula infalível para se encontrar o pote de ouro no fim do arco-íris. 

Apertou as duas mãos, dedos machucando as palmas suadas, olhou nos olhos da moça, respirou fundo, contou até seis, controlou a tensão, relaxou a musculatura do tórax, e sem retirar os olhos dos olhos dela, disse - estou indo embora.

- É? É mesmo? A criança vai voltar para a casa da mamãe?

- Apesar de não ser da sua conta, a resposta é não.

- Como assim "não" (fazendo as aspas com os dedos das mãos)?

- Estou saindo, por favor devolva a chave para a porta e saia da minha frente.

- Só se disser para onde está indo. Não estou pedindo nada demais, só quero saber, vai que esqueceu algo.

- Eu não esqueci nada, já levei tudo que precisava.

- O que? Como? Quando foi isto?

- Hoje de manhã enquanto se arrumava no salão. Agora por favor, coloque a chave de volta ou terei que usar a saída pela área de serviço.

- Quer saber, vai para o inferno, vai para a merda da sua vidinha proletária intelectualizada, mas espera, como vai ficar o aluguel, o condomínio, a luz, o gás, a netflix, a internet, o supermercado, meu salão, a Yoga? Hem? Cadê sua responsabilidade?

- Você exigiu que tudo ficasse no seu nome, lembra? Era para aparecer nos cadastros, nos currículos, fazer média no banco, aparecer para as amigas, etc. Então se vire. Por favor abra a porta e saia da frente.

- Tudo bem, tudo bem, me viro, mas só sairá daqui se falar para onde está indo. Afinal me deve ao menos esta informação. Não sou uma pessoa má que destruiu sua vida.

- Você é uma pessoa má que destruiu a minha vida. Por favor abra a porta e saia da frente.

- Se está com pressa, pule a janela, quer saber, vai embora logo, você me dá nojo. Passa, cachorrinho. Babaca, meninão, idiota, vai embora.

- Já no corredor, como os minutos para a chegada do elevador pareciam uma eternidade, principalmente por que ela continuava ali, com rígida postura e olhar fatal, resolveu fugir da ira descendo pela escada e o homem que até então estava seguro, quando se viu só desabou, pôs-se  a chorar e soluçar como uma criança até chegar na garagem torcendo para não encontrar com alguém, e partiu para a casa da mamãe.

É isto aí!

Fonte da imagem: Lauren Bacall

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