- Sabe, doutor, desconfio que existe um outro eu que habita em mim e que não gosta muito de quem eu sou. Às vezes me faz realizar coisas estranhas, dizer palavras fora da minha linguagem, atrasar para encontros, detonar meu relacionamento etc. etc. etc.
Quer falar sobre isto hoje?
- Não sei se consigo. Neste momento ele está me bloqueando na rede social presencial e também na virtual.
Entendo. Saiba que ao olhar para si, não encontrará você mesmo, mas o Outro que erigiu um ideal em sua história.
- Então eu é quem sou o outro que habita dentro de mim, ou sou parte deste todo como se fôssemos personalidades distintas num mesmo envelopamento humano?
Do ponto de vista da linha psicanalítica que sigo, como membro da Escola Real da Pitangueira de Análises, o outro que habita em você é o resultado das influências das relações que você estabeleceu com as pessoas ao longo da sua vida, especialmente na infância. Esse outro pode ser fonte de conflitos, traumas, desejos e angústias, mas também pode ajudar a se conhecer melhor e a curar as suas feridas.
- E tem outras formas de entender este outro? A igreja, como ela vê isto?
Bem, há uma linha tênue e tensa, quando falamos sobre isto, entrando no campo religioso. Existem as variáveis orientais, as variáveis do oriente médio e as que coabitam o ocidente, que é aquela que aceita tudo junto e misturado, com ilhas de excelência aqui e ali. Vou fazer um apanhado muito, mas muito superficial, sem entrar no mérito desta ou daquela doutrina, do campo ocidental, que de maneira geral diz mais ou menos assim: O outro que habita em você seria o pecado, que o afasta da vontade de Deus e o leva a fazer o mal que não quer. Esse outro é uma consequência da queda da humanidade e da sua natureza carnal, que precisa ser vencida pela graça de Deus e pela fé em Jesus Cristo.
- O senhor acredita nisto?
É você o analisado aqui, retorno a pergunta a você.
- Perdoe-me doutor, data venia, em assim sendo, como tudo que eu disser poderá constituir elemento para a formação do convencimento de juízo sobre mim, rogo meu direito de permanecer calado. E, se me permite, transfiro a pauta para uma pergunta que mais atende meus interesses neste momento: - há ou haveria uma terceira possibilidade mais, digamos assim, mais parecida comigo?
Bem, há a linha filosófica Existencialista, que não entro muito, pois temos divergência históricas, onde o outro que habita em você é o reflexo da sua liberdade e da sua responsabilidade diante da sua existência. Esse outro é uma parte essencial do seu ser, que permite escolher quem você quer ser e como quer viver. Esse outro também o confronta com os limites e as possibilidades da sua condição humana, que é marcada pela angústia, pela solidão e pela morte.
- Não teria uma forma mais fácil de coexistir com este outro eu em mim?
Veja bem, não há uma resposta única ou fácil para essa questão, pois coexistir com o outro em si mesmo envolve um processo de autoconhecimento, aceitação e transformação.
- E isto dói?
Muito, dói muito, mas só até achar o caminho que o conecte com sua essência, com seu propósito e com o sentido da sua existência. Estamos encerrando, posso agendar a próxima sessão?
- Pensando bem, até estou gostando do sujeito. Eu não virei, já me dei por satisfeito.
Você é quem decide.
- Por favor, doutor, não seja ingênuo, não fui eu quem disse. Pode agendar e não se preocupe por que eu virei, e vou mostrar quem manda aqui.
É isto aí!
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