sexta-feira, 31 de outubro de 2025

Pertencimentos



porque é assim
por causa do quê?

quisera fosse outrora
o amanhã
que nunca sonhei

Mas parti
sim, fugi de mim

quisera ser sonho
todo o agora
que nunca partiu


É isto aí!




quarta-feira, 29 de outubro de 2025

Bilhetes Avulsos VIII

 


Querida,

Quando ler este bilhete, já estarei, possivelmente, em outra página virada da minha peregrinação pelo mundo que desconheço — mas de quem ouço falar bem.

Saiba que deixei as saudades guardadas no fogão de lenha.

Deixei as mágoas no freezer.

Guardei as angústias naquele pote de porcelana azul que eu sempre detestei — e no qual acidentalmente esbarrei, fazendo-o ir ao chão, sendo imediatamente remendado por você com cola instantânea, só para irritar minha paz, porque foi um presente da fulana — e você sempre soube o motivo de eu detestá-la.

Recolhi os cacos do tempo útil ao seu lado e lacrei tudo num envelope amarelo que guardava alguns papéis que devem ser importantes para você continuar nesta rotina que merece.

Aos amigos, diga que fugi com uma namorada dos tempos de faculdade.

Aos inimigos, faça o que mais gosta — mentir — e diga que voltei para a companhia da sua eterna bff da infância, a Claudinha Tri.

Todas as fotos onde supostamente estávamos juntos foram para a galeria do lixão. Esperei pacientemente o caminhão de lixo passar, só para ter certeza de que levariam tão nefasta prova da nossa patética união.

Querida, eu amo você. De verdade. Com certeza. Com ardor na alma (e lágrimas sinceras).

Eu sei que você sabe disso — que sempre soube, que sempre saberá.

E este amor, todo este amor, estou levando comigo, para todo o sempre, ao infinito e além.


É isto aí!

 



segunda-feira, 27 de outubro de 2025

Prezada Senhora Felicidade



Prezada Senhora

Dona Felicidade
Saudações.

Sei — quer dizer, acho que sei — que talvez a senhora exista, não exista ou coexista. Inevitavelmente, no meu medíocre e raso saber quântico, comparo-a ao Gato de Schrödinger, aquela famosa experiência mental frequentemente descrita como um paradoxo.

Nessa experiência, Schrödinger procurou ilustrar a interpretação da mecânica quântica, imaginando-a aplicada a objetos do dia a dia. No exemplo, há um gato encerrado em uma caixa, de forma a não estar apenas vivo ou apenas morto, mas sim em uma sobreposição desses dois estados — tal qual a senhora, que prefere ser chamada pelo pomposo nome de Felicidade.

Mais não posso dizer, por vários princípios quânticos que desconheço, mas sei que andam por aí tecendo comentários contra a minha limitada intimidade com a Física, a quantização da energia, a dualidade onda-partícula e o Princípio da Incerteza de Heisenberg.

Enfim — trata-se aqui do enfim como advérbio de tempo, que significa “finalmente” —, saiba que houve apenas uma época em que tive a convicção da sua existência. Mas isso foi apenas um átimo da minha longa jornada até chegar aqui, neste tempo, para poder dizer que, para mim, a senhora desistiu da minha existência há eras.

É isto aí!



quinta-feira, 23 de outubro de 2025

Que os ladroes dos aposentados tenham vida longa


Aposentar é um sonho, até que acontece de fato. Não existe um manual abracadabra todo certinho para o aposentado. De repente sai do serviço ao qual dedicou 35 a 40 anos de trabalho sério, com algumas gafes, poucos conflitos e raros amigos. É como um parto, só que sem mãe, sem doula, sem enfermaria, sem obstetra, sem nada.

Sabe aquela ideia de escrever um livro? Esqueça.

Sabe aquela ideia de viajar sem pressa de voltar? Esqueça.

Sabe aquela ideia de ter uma vida social ativa? Esqueça.

Na verdade, não é sobre esta questão psico-social que quero falar. Quero falar da corja de ladrões que nos últimos sete anos roubaram a historia da vida e dos sonhos das pessoas aposentadas, sem nenhuma proteção do Estado até 2024, quando veio o Basta dos órgãos competentes.

Deveria existir esta ideia de aposentar, mas de renascer, sem os vagabundos assaltantes da sua história privada. A estes toda a causticante morada nos infernos por eles semeados. Falo dos governantes que congelam a aposentadoria, dos patronatos que recolhem menos do que devem, etc etc etc.

Nesta semana estava assistindo na TV um ainda suposto ladrão, suposto pois ainda não foi julgado pelo desvio de dinheiro direto da fonte da Previdência Social desde 2018. O cidadão, supostamente, roubou milhões de reais da classe mais indefesa do mundo (sim, todo o mundo tem agruras e desdém com a classe).

Que os ladrões dos aposentados do INSS tenham vida longa:

Naquele dia fiquei observando a cara de desprezo do cidadão, respeitado como homem de bem, de boa família, cristão etc. etc. etc. resguardado pelo direito ao silencio. Ele fazia expressões tão vomitivas e repugnantes, que desejei que um dia, ao chegar na sua aposentadoria, seja gratificado com o valor mínimo entregue pela Previdência e tenha Vida Longa. Assim, sinta na pele o sofrimento e as agruras da velhice que cedo ou tarde afloram, tudo respeitando o seu direito natural de envelhecer dentro da sua canalhice, resguardado o direito ao silencio, claro...

Que a Lei seja dura com estes canalhas, que a Lei seja cumprida, que a Lei seja exemplo para que nunca mais roubem para amparar sua tradicional choldra satânica do bem.

É isto aí!

quarta-feira, 15 de outubro de 2025

Essa angústia


Esse vazio 
interminável
Essa angústia
na pareidolia

tudo correto,
menos a dor
adormente, 
nua e luzidia

Ah! tempo 
pouco tempo
inevitável
sob a lousa fria.

É isso aí!


Antes que pergunte: "Adormente" existe e vem do verbo adormentar. Neste poema está depositado para sugerir o estado entre dor e dormência, evocando a sonoridade suave da palavra "adormecer" com a raiz "dor".

A imagem (Tik Tok) mostra um grafite em um muro com a seguinte frase: "QUANTO VALE A HISTÓRIA DE UMA VIDA?". A frase é uma crítica à situação das vítimas da Braskem em Maceió - Alagoas. 




sexta-feira, 10 de outubro de 2025

O medo

  


O medo nasce da consciência de que somos livres. Sartre dizia: “estamos condenados à liberdade”. O abismo de poder escolher nos assusta, porque cada escolha nos define.

O medo também é guardião: protege a alma de se perder em caminhos que podem destruí-la.
Mas o medo pode paralisar. A alma deseja caminhar, o livre-arbítrio abre a estrada, e o medo, às vezes, ergue muros invisíveis.

Assim, o medo é ambíguo: pode ser sentinela (que impede a queda) ou cárcere (que impede o voo).

De certo modo, ele é como uma névoa entre a caverna e a luz: a alma quer correr para fora, o livre-arbítrio abre a porta, mas o medo pergunta: E se a luz cegar?

Talvez o drama humano esteja aí: decidir se o medo será obstáculo ou revelador.

É isto aí!


sábado, 4 de outubro de 2025

Cartas de Amor XCIV


Reino da Pitangueira,
Planeta Terra&Lua,
3° do Sistema Solar,
Via Láctea, Zona Sul


Querida, vamos fugir pelo entrelaçamento quântico

Calma, meu bem. Não se trata de uma fuga que abalará as estruturas do nosso amor — já tão sofrido e dolorido. Sei que, aí dentro do seu ser e estar, habita a minha alma, assim como você habita, com natureza vívida, dentro de mim. Sei também que o destino nos levou ao ponto de inflexão da tristeza, num momento crucial que acarretou esta mudança drástica na trajetória das nossas vidas.

Penso numa rota de fuga, valendo-nos da correlação fundamental entre todas as partículas que nos consolidam enquanto seres humanos e o universo infinito. Calma, meu bem, calma! Fique calma… respire fundo. Sinto suas mãos suadas e seu olhar é puro amor. Neste instante, perenizamos o que nos separa e o que nos une, feito uma onda quântica. Calma, querida, já já explico.

Saiba, minha querida alma gêmea, que o nosso amor não é uma onda física como a água ou o som, mas sim a função de onda — num conceito passional — que descreve o estado de amar, ser e existir numa partícula; função essa que nos permite a probabilidade de encontrarmos um ao outro em determinado local do espaço e do tempo. Eis o mistério do nosso amor.

Querida, eu não sei não amar você!

Um cafuné no cabelo, um afago na face, um abraço apertado e um beijo apaixonado.

É isto aí!