Chegou ao Templo no início da tarde. Um calor extraordinário. Talvez em função disto a igreja estava deserta. Sentou na última fila, do lado esquerdo, contra o sol e escondido por uma imensa coluna. Numa placa na coluna consta que a igreja foi iniciada em 1789 e a obra foi concluída em 1864, restaurada em 1923, 1945 e 1970. Nas laterais, sob o piso, dezenas de sepulturas dos homens que comandaram o lugar, entre párocos, bispos e pessoas da mais alta relevância local.
Ajoelhou-se e transcendeu por um caminho nem estreito nem largo, entre dezenas de pessoas, todas reluzentes e não conseguiu, a princípio, entender a situação, mas diante do todo, deduziu que estava morto e não seria a única exceção da fila. Anjos esculturais em forma de moças, com imensas asas e uma túnica branca justa no corpo, iam orientando o bando de luz para uma gigante porta dourada no fim do caminho.
Percebeu que seus pés estavam descalços, depois sentiu que estava sem roupa sob a túnica e ao olhar para si, viu que era uma túnica verde-água larga e confortável que cobria seu corpo estranhamente mais jovem. estranhamento perdeu a noção de tempo e espaço. Ao seu lado uma moça linda e assustada olhou nos seus olhos a gritar e chorar, apontando o indicador direito para ele e cobrindo a boca com a mão esquerda. Imediatamente um rufar de asas desceu ou apareceu, e quatro pessoas aladas a levaram para algum lugar.
A imagem da moça linda ficou colada na memória. Achou engraçado. E ali não havia tumulto, nem conversas, nem nada. Todos chegavam calmamente em dezenas de guichets nas laterais do caminho, antecedendo ao grande portão. Chegou a sua vez. A atendente era uma senhora bem idosa, com cabelo azul e asas douradas. Olhou-o por cima do pincenê preto com lentes rosas, sem haste, e preso ao seu fino e delicado nariz por uma mola azul-turquesa e indagou:
- Seu nome, por favor?
- Olha, senhora, deve haver um engano, eu estava na igre...
- pluft-flash - a mulher desapareceu e imediatamente voltou ao final da fila.
Ao seu lado, novamente, aquela moça linda e assustada que começou a chorar anteriormente. Parecia calma, olhou para ele, deram um leve sorriso entre-lábios e seguiram em silêncio, não sem trocarem olhares de interesse.
Chegou novamente a sua vez. A atendente era uma mocinha bem jovem, com cabelo amarelo e asas prateadas. Olhou-o delicadamente e indagou com uma voz melodiosa:
- Seu nome, por favor?
- Olha, moça, eu não estou entendendo ... deve haver um engano, eu ...
- pluft-flash, a moça desapareceu e novamente retornou ao final da fila.
Ao seu lado, de novo aquela moça linda e assustada que começou a chorar anteriormente e na segunda vez esforçou um sorriso. Estava calma, entreolharam-se, deram um sorriso largo um ao outro, foram se aproximando e se abraçaram demoradamente. Teve uma sensação de paz inexplicável.
Chegou novamente a sua vez. A atendente era uma mulher madura, muito linda, pele negra brilhante, com cabelo ruivo encaracolado e asas em tom pastel. Olhou-o delicadamente, sorriu, e indagou:
- Seu nome, por favor?
- Olha, dona angélica, meu nome é ... olha, antes pode me dizer o que está ...
- pluft-flash, mais uma vez a mulher desapareceu e mais uma vez retornou ao final da fila.
Ao seu lado, de novo aquela moça linda e assustada que começou a chorar anteriormente, na segunda vez esforçou um sorriso e na última se abraçaram. Ficou muito feliz ao revê-la, aquiesceram a aproximação pelo olhar, e deram-se a uma expressão de amor universal. Abraçaram-se e beijaram tão humanamente possível com divinamente permitido. Não havia tempo nem espaço, só os dois e seus corações excitados.
Ao esgotarem a delícia do beijo, viram que estavam sós. Caminharam até um portão discreto, guardado por dois anjos gigantes, com espadas enormes. Cada um abriu uma metade e os convidaram a passar. Assim que passaram, passou um filme na memória de cada um, um zunido ensurdecedor e mais uma vez aquele pluft-flash, o clarão inexplicável, o portão fechou-se imediatamente e voltaram cada um ao seu mundo. Ele voltou à igreja e ela em coma num leito de hospital a mais de mil quilômetros dali.
46 anos se passaram. A vida cumpriu sua missão. Combateu o bom combate, acabou a carreira e guardou a fé com a qual venceu as batalhas, e finalmente transcendeu pelo antigo caminho nem estreito nem largo, surgindo entre dezenas de pessoas, todas reluzentes. Deparou com as mesmas duas esculturais moças com imensas asas e uma túnica branca justa no corpo que iam tocando o bando de luz para uma gigante porta dourada.
Lembrou-se da moça. Procurou em volta, ela não estava. Chegou a sua vez. A atendente era a mesma senhora bem idosa, com cabelo azul e asas douradas. Olhou-o por cima do pincenê preto com lentes rosas, sem haste, e preso ao seu fino e delicado nariz por uma mola azul-turquesa e indagou:
- Seu nome, por favor?
- Fulano Tal de Tal
- Engraçado, já era para o senhor ter entrado há 46 anos. Mas tudo bem, é raro, mas acontece. Tome seu crachá e se dirija ao portão dos Anjos.
Os anjos abriram o portão. Ela foi a primeira pessoa que o aguardava do lado de dentro. Deram-se de tal forma um ao outro que suas luzes se fundiram. Te espero aqui todos os dias, ela disse. E amaram-se ali ,de forma luminescente, nos jardins do Senhor!
É isto aí!
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