domingo, 3 de novembro de 2019

Discurso de Velório

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Dez horas da manhã quente e abafada do verão mais castigante de todos os tempos. Era velório do Nhô Alois Quatre-Vingts, um coronel de patente comprada, ruim que nem praga no pasto e ao mesmo tempo generoso como poucos, com os desvalidos.

Naquele dia toda a história do vilarejo conhecido como Patrimônio do Alois, perdido no interior do sertão da caatinga, tomou um rumo diferente do seu curso natural.. Começou bem, com as carpideiras se esforçando ao máximo, seguido pelo coral da Sagrada Família entoando de forma lenta e triste " Eis-me aqui Senhor! Pra fazer Tua Vontade pra viver do Teu Amor ...

A Banda Gloriosa da Ordem Terceira de Alois se colocou na estreita rua da capelinha de Nossa Senhora das Dores,onde estava a urna mortuária com o falecido. Tocou o Hino da Cidade, o Hino do Estado, O Hino Nacional, o Hino da Proclamação da República, o Hino da Bandeira e por fim, sob forte comoção, o Hino do grandioso Parreirinhas Futebol Clube, que era presidido pelo coronel, e cuja bandeira cobria o féretro.

O delegado subiu num banco da capela e com um megafone bradou: 

Eis as últimas palavras com o desejo do benemérito coronel:

Senhoras e senhores, amigos, conhecidos e curiosos, gratidão eterna por terem comparecido.

Falar de mim neste momento é enaltecer a obra de cada um dos presentes. É a certeza de que me livrei do mal de muitos e perdi a virtude de poucos.

Peço encarecidamente que só comecem as preces com o Tião Tabaco à minha direita e o Zé Frotinha à esquerda. Assim e só assim poderão dizer que morri como Jesus Cristo, entre dois ladrões. 

Já deixei autorizado para o delegado, o escrivão e o vigário para confirmar documentalmente a  quem de direito a paternidade genética e incluir no meu inventário como únicas herdeiras legítimas do meu patrimônio a Maria Ravena, filha da comadre Penha, da Maria Renata, filha da comadre Rosilda, da Maria Rita, filha da comadre Chica, da Maria Roberta, filha da comadre Cacilda e por fim da Maria Ruanda, fila da comadre Filó. 

Só Nestor Preto, marido de Comadre Rosilda, que teve as muletas roubadas para servir de ferramenta de combate, não se levantou para o alvoroçante espetáculo promovido entre todas as partes, desde a família do morto, até partidários, interessados, inimigos e as meninas privilegiadas, com tapas, empurrões, agarrões, unhadas, socos, ponta-pés, dentadas e safanões, que só cessaram quando deram por falta do corpo, desaparecido no meio da fúria. 

Como o médico estava demorando para chegar, pois morava em outra cidade, ainda não tinham o atestado de óbito, e sem corpo não tem atestado e sem atestado não tem óbito. E daí foi que ninguém quis testemunhar que o coronel estava morto de verdade

As meninas ficaram desassistidas, as comadres faladas, os compadres corneados, a família do morto perdida e para piorar, dalí a três dias, Tião Tabaco e Zé Frotinha ressuscitaram o morto e assumiram todo o patrimônio, segundo procuração que apresentaram, assinada pelo agora foragido, supostamente morando em local incerto e não sabido. 

É isto aí!

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