sábado, 2 de novembro de 2019

E foram nunca mais felizes outra vez!


Abriu o guarda-roupa e pegou a única roupa com a qual saiu de casa. Calçou o desgastado sapato tipo mocassim marrom sobre as meias vermelhas, a calça brim bege,  o cinto de courvin preto. Vestiu uma camiseta surrada, amarela, de malha, uma camisa verde com listras azuis e por cima um paletó de lã. Levantou-se da cama ainda confuso enquanto no celular, no despertador, escolhido por ela, Vinicius declamava o Soneto de Fidelidade.

Diante do espelho amarelado e sujo, repartiu o cabelo em uma risca e evitou redemoinhos e frizz. Com um pouco de gel nas mãos, moldou com os dedos, puxando o cabelo dividido em direções opostas. Com o pente úmido, passou na direção planejada. Esse visual caia bem em cabelos finos e médios, disfarçando as entradas.

Colocou a cadeira ao lado da porta, subiu nela, encurvou o tronco até atingir o olho mágico. Confirmou o inevitável. Ela estava no corredor aguardando a sua passagem. Sem ruídos foi até a janela e voltou pelo menos umas três vezes, só para ver o que já sabia - os pais dela estavam na rua.

Foi ao banheiro, sentou no vaso umas muitas vezes, levantou, abriu o enxaguante bucal, que estava quase no fim, colocou cerimonialmente num copo de extrato de tomate, completou com dois dedos de água para render, enxaguou a boca vigorosamente, passou o dedo indicador em todos os dentes, e em seguida deixou as lágrimas virem à borda dos olhos. Lavou o rosto, deu um tapa em cada face, falou uma voz de comando, e decidiu o que fazer.

Voltou à porta, respirou fundo, bateu a chave e saiu. Já levantara a mão para explicar a desculpa que poderia corrigir tudo, mas ela não estava mais. Desceu os dois andares, na estreita escada, tenso e amedrontado. Ganhou a rua e ninguém mais o esperava. Fez sinal para o coletivo, desceu no centro, mas aquilo não estava certo.

Voltou ao apartamento, sentou na portaria e ali ficou a esperar que ela regressasse. Foi na casa onde tentaram ser pessoas normais em condições normais, e estava fechada para alugar, perguntou aqui e ali e nada. 

Só então descobriu pela dor da ausência que ela era o seu único grande amor. 

E foram nunca mais felizes outra vez!

É isto aí!

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