quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

A loucura do amor



Descobriu-se louco quando se reconheceu no espelho do provador da loja de departamentos. Olhou bem no interior de seus olhos e viu o terror aflorar, feito um bicho enorme, feroz e forte, muito forte. Não titubeou, enfrentou o algoz com fúria lancinante. Atracaram-se no cubículo, ele nu e a criatura a agredi-lo sem piedade.

Rolaram para o lado externo, e foram destruindo tudo à volta - manequins caindo, crianças apavoradas chorando, mulheres com gritos histéricos, vendedoras desesperadas e seguranças sem tempo de reação - era o caos imperando. Araras, bancas, suportes, caixas, tudo tudo indo ao chão e aos ares.

Deu de puxar com a mão direita a língua do bicho, com tal força que um enorme músculo destravou a boca da fera, que urrou agonizantemente. Aproveitou a vantagem, e com o dedo indicador da mão esquerda bateu com toda a força no esbugalhado olho direito do ser asqueroso. Vazou uma seiva amarelo-esbranquiçada pela face que expressou dor urdida. O ser medonho, a coisa, no hiato temporal, desprendeu-se e fugiu rumo ao provador. 

Correu atrás a tempo de pegá-lo pelas pernas entrando no espelho. Calculou mal desta vez, pois no impulso foi parar do outro lado do lado de dentro das coisas que estão do lado de fora. Uma vez no lado de dentro de si olhou em sua volta, o esquerdo era direito, o avesso era o lado certo das coisas. Não havia espelhos, não havia a coisa, nem a dor a atacá-lo, nem o medo, nem a falta. Não estava mais louco. 

Foi quando a viu. E foram se afastando, assim ficavam cada vez mais próximos. Ela tem nome, tem vida, tem brilho nos olhos, tem saudade, tem empatia, tem sensualidade. Ele estava feliz e ela estava linda. Dançaram um som vindo do nada, sorriram, encantaram-se, abraçaram-se, beijaram-se e foram loucamente felizes ao avesso
para sempre.  

É isto aí!



   

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