terça-feira, 3 de dezembro de 2019

A lógica da coisa


Saiu de casa cedo, passou na venda, comprou um cigarro picado, passou na Preta e tomou um gole do resto de café da noite, pelo qual não paga, atravessou a rua, leu as manchetes nos jornais esticados feito corpos nus sendo revistados por uma força da curiosidade. Celular sem crédito, sem cartão para o ônibus, sem recursos para um carro de aplicativo, fez o que se faz quando o deslocamento exige - iniciou a marcha de duas horas até chegar ao centro.

Desta vez resolveu cortar caminho pela marginal do Córrego Novo, que recebeu este nome quando transpuseram o Córrego Velho para dar lugar a avenida das Águas. Sempre que pensava nisto, ria sozinho da falta de criatividade. Passou pelos galpões da antiga fábrica têxtil, depois uma casas grandes e maltratadas, depois a zona boêmia, depois o mercado municipal, e a marcha ia dando sentido ao rumo.

Atravessando o Beco da Jandira, foi barrado por um sujeito alto, muito alto, forte, muito forte e com cara boa, destes que parecem ser amigos para sempre. 

- Olá, disse o homem muito grande.
- Olá, respondeu.
- Sabe quem sou eu? perguntou o estranho.
- Olha, não sei, tenho dúvidas, mas eu te conheço.
- Sim, você me conhece. Faz um esforço ... Lembrou agora?
- Rapaz, você me é familiar, mas não... não  lembro mesmo.
- Tudo bem. Vou te ajudar. Lembra da Creuzinha, uma menina loirinha que você passava as tardes na casa dela, só por que ela tinha um computador com Second Life instalado?
- A Creuzinha, puxa vida, era isso mesmo. Isto é piada, não é? Olha só, a Creuzinha... bem, nós dois criamos um avatar para cada um. Mas eu nunca ... olha, eu nunca, quer dizer...
- Fique tranquilo, sim, eu sei disto. Por isto mesmo estou aqui.
- Como assim?
- Você me criou para ser seu avatar, e um dia sumiu e eu segui adiante com a Creuzinha movimentando a minha vida e me seduzindo por toda a Matrix.
- Ah!! Agora lembro de tudo, eu criei você e ficávamos descolando umas meninas por aí. Mas espera lá, se você era um avatar, como está aqui?
- Senta, que lá vem história: A Creuzinha era louca por você e se apaixonou comigo por que eu era você, e eu era você só que numa outra dimensão, aí ela conseguiu me convencer no jogo a casar com ela, senão seria defenestrado.
- Rapaz, que história sinistra.
- Você ainda não ouviu tudo. Agora você é pai de três crianças, e vai ter que passar lá para assumir, porque a Creuzinha cansou de ser mãe matrix e fugiu com o Góia, lembra do Góia?
- Góia era um amigo avatar que ela criou para ...
- Isto, para fazer ciúmes em você ou em mim, não sei mais.
- Mas, como você saiu de lá? 
- Rapaz, presta atenção, eu nunca sai de lá, não existe o "lá". Eu sou você dissociado na Matrix para você entender que você sou eu. Assim que cair a ficha fundimos novamente e a realidade abre suas cortinas de nove dimensões.

Corta para a volta para casa:

Então, Sandra, foi assim que eu fui parar dentro do Second Life, e tive que trazer estes catarrentos  ... papai papai ... sai prá la moleque ... e não é que as porqueiras parecem comigo? Aí a Creuzinha sumiu do nada, como quem não fez nada de errado, estes terroristazinhos inquietos foram entregues a mim e aí eu negociei com um cracker “Black Hat” a saída da Matrix ...

Sei, Júlio César, sei ... você é um safado, um tarado, um sem vergonha, eu vou, eu vou ... te deletar, seu vagabundo ...- Que papo é este rapaz? Qual é a lógica da coisa? Eu, hem?!?!

- Sandra ... volta aqui, pelamordedeus, é a pura verdade, eu fui abduzido por um programa Beta  experimental ultra-secreto e só hoje que descobri que meu avatar era casado e pai de trés crianças num mundo virtual, Sandra ... amor, volta ... Sandra, eu te amo ... a Creuzinha não é nada para ... não, para, não aperta este botão, Sandra, nããããããooooooooo ... nããããããaããããõoooooo ... zapt puff tchum

É isto aí!

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