Sujeito apareceu de tardinha na venda do Manoel Onório. Era alto, quase dois metros, meio esquisito, meio estranho, meio diferente, tinha umas roupas que não eram roupa de gente normal, pareciam panos enrolados e falava com sotaque de gaúcho imitando português da fronteira espanhola do norte. Enfim o sujeito era muito esquisito.
Tinha um chapéu de aba larga e uma capa amarela imensa, impermeável, que cobria até os pés, protegidos por uma bota emborrachada de cano longo. A tiracolo uma bolsa de couro impermeabilizada. Supostamente estava desarmado, mas isto nunca soubemos.
Corri os olhos na rua e não vi animal algum, nada, nem charrete nem bicicleta. A chuva ameaçava cair em dilúvio, o vento soprava frio e fraco, a venda estava com lotação máxima como de costume. As pessoas foram espaçando para o homem passar até chegar ao balcão. Uma vez lá, bateu a mão na madeira e pediu uma cachaça boa, nada de batizada.
Manoel Onório, safado de uma figa, tremeu e pegou uma garrafa escondida atrás do armário da despensa. Ali já marquei o lugar. O homem bebeu três doses seguidas, virou para o Manoel e disse - eu vim buscar a Carmelinda. Todo mundo olhou para o Manoel que não olhava para ninguém. Não conheço, respondeu.
O homem levantou os dois braços e profetizou - que a força dos ventos digam ao que veio. Ah, moço, nem te digo. O vento geladinho entrava e saia pelas ruas, becos e por todos as frestas das janelas. Vai buscar ou vou ter que congelar e destruir tudo?
Não conheço, já disse, falou Manoel Onório já pertinho do infarto.
O homem levantou novamente os braços e profetizou - que a força das águas se solidifiquem e caiam apenas nas ruas da cidade, por enquanto. Ah, moço, era pedra d´água gelada que cobria a palma da mão, até apanhar uma altura de meio metro nas ruas.
Deixa a garrafa aqui e vai buscar a Carmelinda, seu bosta!
Manoel Onório olhou para as pedras d'água caindo e clamou - pelamordedeus, faz parar isto que vou.
O homem, nem se manifestou muito. Levantou a mão esquerda e tudo aquietou, até o vento sossegou.
Manoel Onório saiu ligeiro, deu a volta no estabelecimento, cuidando para não escorregar nas pedras d'água, abriu o portãozinho lateral, foi se segurando nas paredes até o barracão nos fundos onde chamou a moça.
Carmelinda era uma mocinha linda de tudo, que Manoel acolheu no inverno, quando passou pedindo pousada e acabou ficando ficando até a paixão prender um no outro. A moça entrou na venda, e foi se aproximando do homem, era uma coisa de David contra Golias. Ele foi virando lentamente e quando a viu - Carmô ...
A moça já foi arrastando um banquinho, subiu e, ah, moço, deu-lhe um safanão estalado, destes de mão aberta. O homem nem piscou e ela deu outro e outro. Fora daqui, moleque. Safado, Sem vergonha. Vagabundo.
O homem levantou a mão e profetizou que os rios do céu desceriam naquela cidade para lavar os pecados daquela população pecadora se ela não fosse com ele. Ah, moço! Caiu num aguaceiro que só Deus sabe como pode chover tanto daquele jeito. Na hora que chegou na porta, Carmelinda gritou - espera amor, eu decidi voltar com você, e sumiram nas águas.
Ah, moço, e foi assim que agora está todo mundo deste jeitinho que você está vendo. Um a um foi entrando nas canoas, nas tábuas, nos telhados por que os dois sumiram e o bosta do homem não levantou a mão esquerda para fazer parar a água.
É isto aí!
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